Fernando Peres. O último adeus do patrão de ideias fixas

Fernando Peres. O último adeus do patrão de ideias fixas


Dono de um pé esquerdo mágico, despontou em Belém e conheceu a glória em Alvalade e até no Brasil, depois de um ano parado por não abdicar dos seus ideais. Faleceu ontem, aos 77 anos, na sua Lisboa natal


O mundo do futebol português acordou ontem mais pobre. Numa altura em que se torce pela recuperação de Fernando Chalana (ver páginas 44-45), foi dia de dizer adeus a outro Fernando – e esquerdino – histórico: Peres, que marcou uma era no meio-campo do Sporting nas décadas de 60 e 70. O antigo internacional português encontrava-se internado no Hospital Egas Moniz, em Lisboa, há cerca de duas semanas, e partiu ontem.

Natural de Algés, Lisboa, foi no Belenenses que começou a dar os primeiros passos como futebolista, jogando na primeira equipa dos azuis do Restelo entre 1960 e 1965 – em 1964 sagrou-se mesmo campeão europeu júnior por Portugal. Mudou-se depois para o Sporting, onde conheceu a glória logo na primeira temporada: foi campeão nacional, venceu a Taça de Honra (então uma competição com bastante prestígio) e foi convocado para o Mundial de 66, o tal do brilharete dos Magriços – não chegou a jogar, tapado pelos incontornáveis Coluna, Jaime Graça, José Augusto, Simões, Eusébio e José Torres.

Em 1968 deixou o Sporting rumo à Académica, ao abrigo da lei estudantil, mas regressou rapidamente a Alvalade para mais três temporadas, onde conquistou novo campeonato e uma Taça de Portugal – numa edição onde os leões, nos oitavos-de-final, venceram o Mindelense, de Cabo Verde, por 21-0, com… sete golos de Peres. Na final, ganhariam ao Benfica por 4-1.

No fim de 1971/72, com 30 anos, entrou em choque com a direção leonina ao defender publicamente Fernando Vaz após o despedimento do treinador. Recusou a proposta de renovação que lhe foi apresentada, considerando-a “indigna”, e acabou por ficar parado na época seguinte, pois o Sporting (ao abrigo da Lei da Opção, que permitia aos clubes impedirem os jogadores de se transferir) recusou todas as propostas que recebeu pelo jogador. Sem poder jogar, aceitou treinar o Peniche, na II divisão, e em 1974 retomou a carreira no Vasco da Gama, no Brasil, sagrando-se campeão – ainda hoje é o único português que se pode gabar desse feito. “Salvo” pelo 25 de abril, que lhe permitiu cortar as amarras com o Sporting, regressou a Portugal em 1975/76 para representar o FC Porto durante alguns meses, voltando depois para terras de Vera Cruz, onde passou ainda por Sport Recife e Treze.

Pôs fim à carreira em 1976 e somou depois alguns trabalhos como treinador, entre Juventude de Évora, União de Leiria, Vitória de Guimarães (ambos na I divisão), Estoril (que subiu à divisão principal em 1980/81), Sanjoanense e Atlético – além de um breve regresso ao Sporting como adjunto do uruguaio Pedro Rocha em 1988. Foi perdendo a ligação direta ao futebol com o passar dos anos, somando nos últimos tempos algumas participações como comentador na Sporting TV.

Médio ofensivo com igual apetência para jogar no centro do terreno ou pela ala esquerda, e dono de um pé esquerdo capaz de verdadeiros momentos de magia, dava cartas também pela visão de jogo. Apesar dos fortes ideais e convicções (ou precisamente por isso), de que nunca abdicou, gerava unanimidade entre companheiros e rivais, como se pode perceber pela mensagem de condolências que o Benfica colocou no seu site oficial: “O Sport Lisboa e Benfica apresenta as mais sentidas condolências pelo triste falecimento de Fernando Peres a toda a sua família e ao Sporting Clube de Portugal. Na memória de todos fica um atleta de exceção, um internacional que permanecerá na história do futebol português.” A missa de corpo presente realiza-se hoje, pelas 13h00, na Igreja de Santo António de Nova Oeiras, com o corpo do antigo internacional português a seguir depois para o crematório do cemitério de Barcarena.