Falar ou não falar, eis a questão


O silêncio ou a palavra sobre processos no espaço público sempre têm leituras e consequências, gera interpretações, molda pensamentos, alimenta (pré-)juízos e presunções, e ignorar isso é o mesmo que ignorar que a Terra gira em redor do Sol 


A ressonância de alguns processos, nomeadamente criminais, no espaço público tem muito que se lhe diga. Tanto que não cabe numa crónica, nem sequer num ensaio ou num tratado. Mas justificaria – como tem justificado alguns, embora não muitos, entre nós – estudos, averiguações, análises, ponderações, cauta e funda reflexão. Seja sobre as causas, seja sobre o tempo e o modo, seja sobre os efeitos. É um mundo novo (nem sempre admirável) que pode ter consequências (muito) relevantes, primeiro na vida dos envolvidos, depois nas representações sociais acerca da justiça e, finalmente, também nos processos. Gostemos ou não, a realidade aí está, evidente e abundante, e há vários modos de a tratar – mas seguramente não, julgo, metendo a cabeça na areia, fingindo que não existe e suspirando pelo passado, ou com refúgio numa arrogância sobre o que e como fazer, sem dúvidas e sem pesar prós e contras.

Cada um tem o seu papel, cada um sabe de si, cada um tem (ou não) dúvidas. E cada um move-se como acha melhor, seja às claras, uns, seja, outros, pelo menos em claro- -escuro. Para as defesas é uma questão premente e séria. Pelo menos para mim é, como advogado em processos, e não é para aparecer, perdendo privacidade, sossego e recato (o que dispensaria bem), também não é para contraditório processual, e menos ainda é para me sujeitar a que, no “libertino” espaço público, alguns aproveitem as aparições para destilar o que lhes vai na alma (o que dispensaria também). Cada um pensa o que quiser, e diz o que entender, que a opinião é livre (mas com os limites da lei, nem sempre devidamente reconhecidos). Mas o que cada um diz ou faz aí está (ou estará, quando a História melhor se fizer) para ser avaliado.

Seja como for, uma coisa é tão certa quanto dois dois serem quatro: é que ignorar que o silêncio ou a palavra no espaço público têm consequências é o mesmo que ignorar que a Terra gira em redor do Sol. E têm-nas, desde logo, e principalmente, para as pessoas que colocam nas mãos dos advogados o seu patrocínio e a defesa dos seus direitos e interesses. Que “confortável” seria achar que a mudez é o melhor, que virar costas é que é certo, que responder grosso ou torto é que convém. Mas isso – para além da questão do direito à informação – sempre tem leituras e consequências, gera interpretações, molda pensamentos, alimenta (pré-)juízos e presunções. Não reconhecer isto é, creio, ser ingénuo ou, pior, mal-intencionado – seja por desejar os efeitos negativos do silêncio, seja por alimentar ou apreciar as palavras ou as informações dadas por meios sinuosos. Por muito que custe ou não apeteça, por muito que nos sujeite à incompreensão ou a pior, julgo que, em regra, a defesa deve falar, embora de modo cauto, ponderado, urbano e sempre dentro do estritamente necessário. Pelo que, parafraseando a questão do atormentado Príncipe da Dinamarca, a minha resposta tende a ser: falar. Outra resposta seria – e salvo o respeito por opinião contrária (se for sã) – infiel ao patrocínio que ao advogado cabe, e/ou hipócrita.

Escreve quinzenalmente à sexta-feira