O egoísmo nos elevadores


Sobre a falta de civismo nas pequenas coisas do quotidiano


Enquanto pais sabemos que metermo-nos numa grande superfície com crianças pequenas num fim de semana é das piores ideias que podemos ter. Mas às vezes tem de ser (ou parecia tanto que tinha mesmo de ser…) e pensamos ingenuamente que não pode correr assim tão mal. Claro que corre sempre, mas somos aquela espécie que não aprende com os erros à primeira e vai mantendo a fé no bom comportamento das pessoas que anda a criar e na humanidade no geral.

Se geralmente confusão, por si só, é sinónimo de excitação intervalada por birras, nos centros comerciais e afins somam-se os pedidos para andar nos brinquedos todos e momentos de pânico porque eles acham engraçado esconderem-se no meio da roupa ou invadir a caixa de pagamento.

Depois, e é disso que queria falar, há uma parte considerável do problema que resulta de uma falta de civismo que se banalizou entre nós e passa demasiadas vezes impune. Manifesta-se em diferentes momentos, das pessoas que estacionam em lugares que não lhes estão atribuídos, que não param nos semáforos (vale para condutores e peões), que param o carro no meio da estrada ou a bloquear terceiros, que entopem as caixas que facilitam o atendimento prioritário e, depois de espalharem as compras todas, perguntam se queremos passar à frente – o que implicaria todo um aparato que mais vale esperar.

Depois de ter perdido cinco horas do último fim de semana numa superfície comercial bem conhecida de Lisboa – aquela que tem sete pisos divididos por categorias – queria chamar a atenção para um caso específico que infelizmente não acontece apenas ali nem apenas em dia de saldos (lá está, a pior ideia de sempre). Há invariavelmente pessoas que podiam usar as escadas rolantes mas não prescindem do elevador, mesmo quando não faltam avisos a dizer que são para uso preferencial de quem tem mobilidade reduzida. O egoísmo está longe de afetar apenas os pais que têm carrinhos de bebés, claro está, e talvez por isso devesse haver uma muito maior sensibilidade de todos e dos próprios espaços. Mas outro dos grandes problemas é que os estabelecimentos comerciais parecem estar muito mais interessados em investir em máquinas do que em funcionários que consigam, em tempo útil, pôr ordem na casa.

Como ninguém parece querer saber, acabamos à espera séculos pelo elevador e ver a porta abrir-se uma e outra vez sem espaço para entrar mais ninguém, até nos resignarmos à ideia de que a única forma de entrar no esquema é arranjarmos um buraquinho e enfiarmo-nos mesmo que seja preciso subir ao sétimo andar para ter uma oportunidade de descer para o estacionamento.

Admito naturalmente que possa haver pessoas que têm problemas que as impedem de usar as escadas normais ou rolantes mesmo que isso não seja visível, mas custa-me a crer que isso seja o caso de todos os que olham com apatia para quem espera vez de entrar no elevador e não tem como ir de escadas, a não ser que dobre o carrinho, a cadeira de rodas, etc.

Se tentamos apelar ao bom senso, e já me aconteceu mais de uma vez, é inexplicável a falta de capacidade de dar a mão à palmatória e ceder a vez, como se fosse algum sinal de rebaixamento social reconhecer que o outro tem um direito ou uma necessidade que nós não temos.

Desta última vez, em que teremos gasto uma boa hora e meia entre esperas de elevador e mudanças de piso, calhou que uma das pessoas que não arredou pé para dar vez ao carrinho de bebé era uma figura conhecida. Não que figuras públicas tenham de ter uma conduta mais irrepreensível, mas mostra até que ponto isto está banalizado: até alguém conhecido se sente à vontade para seguir viagem como se nada fosse. Não é preciso nenhuma intervenção nem nenhum plano nacional: é só ler o aviso na porta, e mesmo que tenha parecido mais cómodo ir de elevador – não há mal nenhum em procurar a comodidade – se houver alguém à espera com prioridade, simplesmente cedemos a vez. Da mesma forma que quem tem prioridade, se vê alguém mais aflito, não deve fechar-se no seu mundo só porque está no seu direito. É aquele coisa que aprendemos em miúdos: dar o lugar ao mais velho, a quem precisa. Não querer ficar com tudo para nós. Para quem não consegue perceber os bonequinhos à porta dos elevadores, talvez seja pedir muito, mas não é assim tanto.

 

Jornalista

Escreve à sexta-feira