O que faço eu aqui?


A vida ensina que, se os caminhos sempre inevitavelmente se bifurcam e se oferecem em tentadoras (ou ilusórias ou sonhadas) possibilidades, também a mudança pela mudança muitas vezes nada traz, e a vida, os balanços e as satisfações ou as insatisfações não se medem em minutos nem em dias


Para quem seguir o ritmo das datas festivas, em especial estas de fim/início de ano – em que o dever de balanço e a obrigação de felicidade vêm de mãos dadas –, este título do (julgo que derradeiro) livro de Bruce Chatwin serve na perfeição. Para quem siga o calendário nestas coisas, nada melhor do que agora para pensar na vida. É quase o mesmo que estar alegre com data marcada. Não é o meu caso, nem uma coisa nem outra. E não é por sobranceria, nem é principalmente por não apreciar (nada) obrigações de alegria ou de reflexão ao ritmo da agenda, muito menos com roteiro e paragens impostos ou pré-definidos. É mais porque me faço a pergunta que Chatwin, creio, foi buscar a Rimbaud – o que faço eu aqui, com interrogação e várias vezes ponto exclamação – dia sim dia não, seja sobre tudo ou em geral, seja sobre esta ou aquela reta ou encruzilhada da vida; numa relação amorosa, numa qualquer outra relação de afetos, na família, nas funções, no estar comigo, nos trabalhos, ou nos trabalhos e nos dias (se quisermos mais evocações a piscar o olho à erudição, o que também cai bem nesta altura do ano). Dia sim, dia não. Pelo menos.

E a idade não diminui a frequência ou a intensidade da pergunta – oh, nada disso –, e sobre certas coisas até as acentua, à medida que o tempo passa e encurta o tapete do futuro, das escolhas e das opções. O que muda é a resposta, cada vez mais ponderada e sabedora, tendencialmente, e muda sobretudo a reação àquela. A vida ensina que, se os caminhos sempre inevitavelmente se bifurcam e se oferecem em tentadoras (ou ilusórias ou sonhadas) possibilidades, também a mudança pela mudança muitas vezes nada traz, e a vida, os balanços e as satisfações ou as insatisfações não se medem em minutos nem em dias, mas em meses e anos, mesmo quando esses meses e anos se suportam apenas (ou muito) com o apego a minutos e a dias felizes. Diz-se que a passagem do tempo leva à conformação, mas prefiro pensar que leva a alguma serenidade, e a evitar agir (mesmo quando apetece muito ou parece muito promissor ou de grande alívio) segundo a célebre boutade de Oscar Wilde, que dizia resistir a tudo exceto à tentação.

Enfim, os anos não ensinam a evitar a pergunta sobre o que fazemos aqui, nisto ou naquilo, sobretudo nas nossas relações com os outros. Nem é saudável que deixemos a pergunta de lado. O que os anos ensinam é a dosear, a avaliar, a perspetivar, a relativizar as respostas e os caminhos que depois delas se trilham ou se tem a tentação de trilhar. Oh, e se a vida ensina! Tal como erguer e cair, uma e outra vez, ensina a criança a andar. Mesmo que ela às vezes saiba só andar, e não exatamente para onde vai. O que faço eu aqui? Umas vezes sei, e está tudo bem, outras sei e finjo que não sei, ou não quero saber, outras sei e não atuo, outras atuo, melhor ou pior, outras espero – os anos também ensinam a arte da espera. O que faço eu aqui? Às vezes não sei a resposta, mas sei que estou e que faço. E pergunto. E perguntar não faz mal, apesar da inquietação.

 

Escreve quinzenalmente à sexta-feira