A terapia de cantar


Diz quem conhece o meio que os coros têm cada vez mais adeptos. Fica a proposta para 2019


Tenho um bocado de inveja de quem faz parte daqueles coros mais a sério. Nunca tive a pancada de ser cantora, mas durante alguns tempos cantava regularmente no coro dos escuteiros e, embora fosse muito pouco disciplinada na arte da cantoria e não tendo propriamente talento para solista, era dos momentos mais relaxantes do fim de semana. Na adolescência, chegámos a ter uma época em que reuníamos às sextas-feiras ao final do dia para os ensaios. Entre disparates e improvisos, lá íamos montando as vozes umas por cima das outras e aprendendo canções novas, cada um a puxar pela sua – uns mais pelas melodias à “Toy Story”, outros pelos acordes à Jorge Palma, e por aí fora – até conseguirmos ordem suficiente na sala para ensaiar o alinhamento todo do princípio ao fim.

Na semana passada, à procura da história do “A Todos Um Bom Natal” – clássico das cantorias familiares desta altura do ano – apanhámos um bocado do ensaio do Coro de Santo Amaro de Oeiras e tive saudades daquela alegria que se sente ao cantar em grupo, quando a música sai bem, quando acertamos na segunda voz, quando olhamos para quem dirige e sabemos que é para entrar, para subir ou para baixar – há uma intimidade e intuição do outro que se conquista quando cantamos juntos algum tempo e que presumo que só quem já cantou em coros, mesmo por brincadeira, perceberá do que estou a falar. E depois há a pele de galinha que nos dão algumas canções, porque são bonitas, sim, mas também porque transportam memórias de momentos em que as cantámos ou ouvimos lá atrás.

Nessa conversa com os responsáveis do Coro de Santo Amaro de Oeiras, contavam eles que, se muitos estão no grupo desde crianças, há cada vez mais quem procure esta atividade como terapia, para desligar a cabeça das preocupações do dia-a-dia. E, mesmo para os mais veteranos do coletivo, acaba por ser essa uma das grandes mais-valias de pertencer ao coro. Depois de um dia de trabalho, e quando apetece tudo menos enfiarem-se no trânsito, insistem em fazer a viagem até ao ensaio porque sabem que vão sair de lá com outro estado de espírito.

Se isto do coro como terapia podia ser só uma sensação misturada com a nostalgia desses tempos de ensaios, basta uma simples pesquisa para ver que não faltam estudos sobre o assunto, com a internet a não poupar em adjetivos para promover a atividade.

Como mal não fará, eis alguns dos benefícios documentados. Segundo um estudo da Universidade de Frankfurt, publicado em 2004, cantar, além de melhorar a disposição, parece fortalecer de alguma forma o sistema imunitário. Outros estudos sugerem que é um bom exercício: aumenta a atividade aeróbica e a energia. A conclusão de que ajuda a melhorar a postura será menos surpreendente, mas há quem sugira que pode até melhorar os hábitos de sono, na medida em que exercita a capacidade respiratória e pode contribuir para aliviar quadros de apneia e obstrução nasal. Outras fontes sugerem que, como cantar gera uma sensação de prazer, com o cérebro a libertar endorfinas, consegue-se uma espécie de “antidepressivo natural”. Talvez não seja caso para ir tão longe…

Uma das equipas que tem estudado este efeito psicológico está baseada na Universidade de Gotemburgo e apresentou há cinco anos uma conclusão curiosa: monitorizaram o pulso de 15 coralistas e descobriram que, à medida que cantavam, não só a respiração como o batimento cardíaco ficavam sincronizados. Um efeito semelhante à da respiração do yoga, não só no efeito de relaxamento mas na melhoria do autocontrolo dos estados mentais. Em tempo de resoluções para 2019, fica o desafio.

 

Jornalista

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