Questões de civilização


Numa altura em que os direitos dos animais nunca mereceram tanta atenção, a silenciosa divulgação do relatório, o desfasamento de dois anos com que são compilados e publicados estes números sobre maus-tratos em particular e a diferença no grau de urgência que se vai atribuindo aos diferentes problemas do país deviam interrogar-nos a todos


Dados publicados pela Direção-Geral da Saúde nos últimos dias revelam que, em dez anos, os núcleos de apoio a crianças e jovens em risco nos hospitais sinalizaram 50 mil situações de risco. Só em 2016, o último ano com dados disponíveis, houve perto de 9 mil crianças e jovens que chamaram a atenção dos profissionais de saúde por apresentarem queixas ou sinais de negligência, maus-tratos psicológicos, maus-tratos físicos ou abuso sexual.

Numa altura em que os direitos dos animais nunca mereceram tanta atenção, a silenciosa divulgação do relatório, o desfasamento de dois anos com que são compilados e publicados estes números sobre maus-tratos em particular e a diferença no grau de urgência que se vai atribuindo aos diferentes problemas do país deviam interrogar-nos a todos – também a nós, jornalistas, que nem sempre empenhamos o tempo suficiente a ler até ao fim os relatórios que nos chegam e os que se descobrem “por acaso” nos sites dos organismos públicos.

Deu a notícia a TSF e o assunto, que poderia ter ficado guardado numa qualquer gaveta, tem agora espaço para fazer caminho. No preâmbulo, Gonçalo Cordeiro Ferreira, presidente da Comissão Nacional da Saúde Materna, da Criança e do Adolescente, propõe a criação de um observatório da criança que pudesse centralizar os dados recolhidos pelas várias entidades governamentais e que ajudem a “pintar com mais detalhe” os problemas de saúde, mas também sociais, que afetam as crianças e os jovens do país. Já em outubro, um conjunto de associações apresentaram um observatório para analisar as questões de regulação parental e, em 2015, foi também anunciado um observatório centrado nos maus-tratos contra crianças.

Em vez de multiplicar, talvez se possam, de uma vez, unir esforços. Na semana em que se assinalaram os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é uma lembrança de que tantas vezes os problemas estão na porta ao lado e que há mais questões de civilização a resolver no país do que as que estão na ordem do dia.