Um estudo europeu recentemente divulgado conclui que cerca de metade dos trabalhadores portugueses não denunciam más condutas éticas no trabalho.
Ao mesmo tempo, e paradoxalmente, os portugueses são os que têm melhor opinião, em matéria de ética, sobre as empresas onde trabalham, em comparação com trabalhadores de outros países como a Espanha, França, Alemanha, Reino Unido ou Itália.
Das duas, uma: ou estamos realmente satisfeitos com os comportamentos éticos das empresas onde trabalhamos e os casos negativos são meramente residuais, ou somos um povo de hipócritas, ou de cobardes, que fingimos não ver o que realmente está diante dos nossos olhos.
Na verdade, um outro estudo, realizado há dois anos e meio pela Universidade Católica, revelava que, em matéria de satisfação com o clima moral e ético de Portugal, 50% dos participantes afirmavam-se insatisfeitos, 37% ligeiramente satisfeitos ou insatisfeitos e apenas 14% diziam estar satisfeitos ou muito satisfeitos.
Seguindo as conclusões destes estudos, somos levados a acreditar que, em dois anos e meio, o país mudou muito, ou que as empresas portuguesas são uma espécie de bolha de moral e bons costumes, isoladas deste país moral e eticamente condenável.
Os casos com que somos quase diariamente confrontados levam-nos a acreditar mais no estudo sobre Portugal, ou melhor, sobre os portugueses.
O recente desastre causado pelo desabamento de parte de uma estrada municipal de Borba, que agora muitas testemunhas garantem ser mais uma tragédia anunciada, é apenas mais um triste exemplo.
Confrontados com o desastre, quase ninguém sabia, ou quem sabia acreditava estar tudo bem, apesar de avisos e alertas com vários anos.
Apesar de tudo, frontalmente, o presidente da Câmara de Borba já garantiu que, em caso de atribuição de responsabilidades à autarquia, será ele que as assumirá – uma posição não muito frequente e que deve ser assinalada.
Mais uma vez, aí vêm os inquéritos e uma avalanche de inspeções. A casa foi arrombada e colocam-se as trancas na porta.
Recordo aqui os versos de Sophia de Mello Breyner, escritos para outro tempo, mas que este tempo devia manter atuais: “Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”.
Só que, neste caso como em muitos outros, vale o título desta crónica.
Jornalista