A água que bebemos pode não estar a ser vigiada 24 horas por dia, dependendo da zona do país. E isso pode trazer consequências graves. O i sabe que no verão de 2015, numa determinada noite – período do dia em que, em plena crise, não havia vigilantes destacados em algumas ETA da Águas de Portugal (AdP), para reduzir custos –, ocorreu uma falha que podia ter resultado num potencial dano para a saúde dos consumidores. O incidente terá acontecido na Estação de Tratamento de Água (ETA) de Santo António ou de Castelo Branco, segundo contaram ao i diversas fontes.
O medidor de entrada de água avariou e o doseador colocou mais alumínio que a dose devida. Só na manhã seguinte é que um vigilante se terá apercebido dos elevados níveis de alumínio na água e ainda foi a tempo de a travar, tendo a água contaminada sido despejada e submetida a todo o processo novamente.
Em quantidades superiores às indicadas, os compostos de tratamento de água são prejudiciais à saúde e não existem garantias de que, nessas ou noutras ETA, não se tenham verificado mais situações semelhantes – envolvendo alumínio ou outras substâncias –, ou até mesmo situações em que já não tenha sido possível impedir a água de entrar na rede de distribuição. Carla Graça, especialista em recursos hídricos da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, revelou ao i que as substâncias usadas no tratamento das águas, se colocadas em quantidades superiores às indicadas, representam perigos diferentes. No caso do cloro, por exemplo, “não é tão perigoso porque vai evaporando nas condutas”. Contudo, o alumínio representa um perigo maior. Carla Graça nota, no entanto, que “na eventualidade de algum risco, teria certamente sido feito um corte ou redução de abastecimento, ou até um alerta à população, no caso de ter sido detetado a tempo”.
Mas em que consiste o processo de tratamento da água? De acordo com a AdP, depois ser captada em rios ou albufeiras, a água chega a uma ETA. Retiram–se, em primeiro lugar, os materiais mais volumosos da água – um processo chamado gradagem –, para depois se passar à primeira etapa de tratamento efetivo: a pré-oxidação, que tem como função preparar a água para as etapas seguintes através do adicionamento de um oxidante, como o ozono. De seguida, passa–se à etapa de remineralização, que prevê a junção de cal e de dióxido de carbono – para garantir um teor de cálcio e um pH adequados. Na etapa da coagulação pretende-se juntar as partículas que turvam a água em coágulos ou flocos, usando-se para tal, geralmente, sulfato de alumínio. Algumas etapas mais à frente, a água chega à fase de desinfeção – a última do processo –, na qual é desinfetada com cloro ou outros compostos derivados, para eliminar microrganismos que possam representar perigos para a saúde humana.
À procura de respostas sobre o que poderá ter corrido mal naquela noite, e sendo o processo de tratamento da água mecanizado, o i contactou a Águas de Portugal. Sobre o caso específico denunciado ao i, a entidade não se pronunciou, mas assegurou que “a qualidade e segurança da água fornecida para consumo humano constitui uma preocupação central na atividade do grupo AdP”.
“Fomos uma das primeiras entidades do mundo a aderir à implementação de Planos de Segurança da Água, metodologia proposta, em 2004, pela Organização Mundial da Saúde, para monitorização e gestão dos riscos associados ao abastecimento público de água”. Os planos em questão, explica fonte do gabinete de comunicação da AdP, são “ferramentas para a avaliação e gestão do risco”e “permitem assegurar, de forma consistente e contínua, um abastecimento seguro da água para consumo humano”. Quanto à vigilância e à segurança das instalações, a entidade nota que estão “consideradas no exercício de avaliação e gestão do risco realizado no âmbito da operacionalização dos Planos de Segurança da Água”.
“Neste contexto estão identificadas medidas de monitorização e controlo que permitem atuar preventivamente. Adicionalmente, as empresas do Grupo AdP têm planos de emergência onde se tipificam as respostas a todas as situações relacionadas com a operação em segurança, nomeadamente dos trabalhadores, das instalações, dos produtos, etc.”, adianta a mesma fonte.
Outras ameaças à água A AdP, no entanto, não é a única entidade em que a segurança da água pode estar comprometida. Ao i chegaram também denúncias relativas à segurança da EPAL que, alegadamente, ao longo da rede tem várias falhas na vedação, dando oportunidade a pessoas mal-intencionadas de contaminar de alguma forma a água, o que pode representar um perigo para os consumidores da água da entidade. Questionada pelo i quanto à existência destas falhas e a uma previsão de reparação, a EPAL não respondeu, fazendo saber apenas que “importa referir que a empresa dispõe de sistemas de proteção das suas instalações que contemplam, para além das medidas de proteção física das mesmas, os sistemas de segurança eletrónica e os meios humanos, em permanente articulação com as entidades com competência na área (GNR, PSP, ANPC, GNS e SIS)”.
O i questionou também a entidade relativamente à existência de um plano antiterrorista, tópico em relação ao qual a EPAL esclareceu que “dispõe, também, de um Manual de Gestão de Eventos de Crise no Sistema de Abastecimento de Água que prevê vários cenários, apesar do setor de abastecimento de água não ser considerado pela legislação atual como um setor crítico, e ainda do Plano de Segurança da Água, em alinhamento com diretrizes da OMS”.
outro grande problema: As perdas Mas a rede de abastecimento de água ao longo do país debate-se com outros problemas. Há duas semanas, o i noticiou as perdas de água que acontecem sob a alçada de várias empresas de abastecimento devido à má manutenção de condutas. No topo da lista das entidades de abastecimento com maior volume de água perdido está a Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros, que perde 641 litros de água por dia e por ramal (tubagens que saem da tubagem principal), um valor muito superior à média registada, que se fica pelos 126 litros de água por dia e por ramal, o equivalente a um duche prolongado. Os dados são do mais recente “Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal”, relativo a 2016 e compilado pela Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) – cuja função é a regulação dos serviços de abastecimento público de água, entre outros.
O mesmo documento inclui outros indicadores que ajudam a perspetivar o estado da rede. Um deles é a “água não faturada” que, como Carla Graça explicou ao i no âmbito do artigo, “reflete, além das perdas ao longo da rede, a água que é oferecida a determinadas associações ou aos bombeiros, por exemplo, por acordo com as autarquias”. E aqui também a Câmara de Macedo de Cavaleiros aparece no topo da lista: não fatura 81,2% da água que providencia. Em média, as entidades de abastecimento não faturam 29,8% da água que fornecem. Outro indicador importante neste contexto é a “reabilitação de condutas” que, segundo relatório da ERSAR, é “insatisfatória” em todo o Portugal continental. No país existem 108 757 quilómetros de condutas de água e, nos últimos cinco anos, foram reabilitados 1998 quilómetros – apenas 0,6% por ano. “Considera-se haver claras oportunidades de melhoria, sendo importante que as entidades gestoras avaliem a necessidade de implementação de programas de reabilitação de condutas”, considera a ERSAR no mesmo documento.