Tenham vergonha!


Mais grave ainda é a total falta de humanidadecom as crianças, que recebem os cuidados médicos em corredores, sem o mínimo de condições


“É um fenómeno curioso: o país ergue–se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma coletividade pacífica de indignados.”

Miguel Torga

Um dos verdadeiros perigos dos nossos dias é aceitarmos tranquilamente a maior parte das malfeitorias, de origens várias, praticadas por titulares (ou candidatos a sê-lo) de órgãos de soberania.

E a forma mais típica desta desculpabilização é apontarmos vagamente responsabilidades ao Estado.

Pois bem. O Estado tem representantes eleitos, direta ou indiretamente, por todos nós. E esses representantes são homens e mulheres, não são entidades abstratas.

Quem responsabilizar, então, pela verdadeira vergonha nacional em que se transformou a construção da tão desejada ala pediátrica do Hospital de São João, no Porto?

Em primeiro lugar, todos os ministros titulares da pasta da Saúde destes últimos dez anos e, obviamente, os primeiros-ministros desse mesmo período.

Como se justifica que a responsabilidade da obra tenha sido retirada a uma associação privada que se constituiu para o efeito e que garantia a sua construção?

Mas mais grave ainda é a total falta de humanidade com as crianças, que recebem os cuidados médicos em corredores, sem o mínimo de condições.

E quem é responsável por mais um adiamento na concretização do Estatuto dos Cuidadores Informais? O Orçamento do Estado contempla verba para esta matéria?

O tempo perde-se em relatórios, contrarrelatórios, grupos de trabalho e comissões disto e daquilo. Quanto a resultados concretos, nada.

E já que falamos de vergonha, ou da falta dela, não sei o que espera Rui Rio para demitir o seu secretário-geral, José Silvano, apanhado a marcar presença na Assembleia da República quando andava bem longe de Lisboa.

Rui Rio falou recentemente da necessidade de a política ter um “banho de ética”. Pois bem, pode começar por dar o exemplo.

Mas esta prática de mentiras e falsificações aprende-se, pelos vistos, bem cedo, nas juventudes partidárias. Os “aviários de ministros”, na expressão de Vasco Pulido Valente.

Maria Begonha, candidata a líder da Juventude Socialista, incluiu no currículo dados académicos falsos, incluindo a sua própria idade. Corrigiu depois, afirmando que se tratava de “gralhas”. Pequenos lapsos, portanto.

Como Fausto escreveu e cantou, “e assim se faz Portugal, uns vão bem e outros mal”.

 

Jornalista