Um compromisso sobre a reforma da justiça


Um tal compromisso, para ser seriamente encarado por todos, deve fundar-se, antes do mais, numa análise coerente e exaustiva das diferentes condicionantes do sistema


O “Expresso” revelou recentemente um documento atribuído ao PSD que dizia ser a proposta-base para um compromisso partidário sobre a reforma da justiça.

Dias depois, o “Público” noticiou que os restantes partidos pouca importância tinham dado a tal documento.

Do que se pôde ler no “Expresso”, raros eram, na verdade, os fundamentos das propostas de tal documento, e menos ainda se entendia o alcance das mudanças sugeridas.

Mais recentemente, a imprensa divulgou uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, a propósito da anunciada reforma da organização judiciária polaca.

Além disso, foi ainda noticiado o Relatório da CEPEJ (Comissão do Conselho da Europa para Eficiência da Justiça) de 2018, que documentou um progresso significativo da resposta dos tribunais portugueses em quase todos os domínios, colocando a justiça portuguesa num lugar privilegiado em comparação com a de outros países mais desenvolvidos.

Neste relatório revelava-se ainda, paralelamente, o menor investimento financeiro do Estado português na justiça relativamente a tais países e, bem assim, um menor ratio de juízes por habitante existente em Portugal.

O que resulta evidente de tal relatório é, pois, a capacidade que os magistrados portugueses tiveram – pelo menos do ponto de vista quantitativo – para assumir os objetivos das reformas recentes e, simultaneamente, prodigalizar resultados positivos que só à custa do seu muito esforço puderam ser alcançados.

Tal resultado desmente, pois, ideias sempre difundidas em alguns fóruns, que alimentam a permanente descredibilização da justiça e dos magistrados, procurando para tanto, entre outras estratégias, denegrir o seu rendimento laboral.

Quando se prepara um compromisso alargado para algo que se propõe ser uma reforma de fundo não se pode, hoje, deixar de ter em conta os compromissos internacionais e europeus sobre a independência da justiça, a autonomia do MP, a composição dos conselhos superiores e as indispensáveis condições materiais de funcionamento do sistema de justiça.

O projeto de um tal compromisso, para ser seriamente encarado por todos os parceiros, deve fundar-se, antes do mais, numa análise coerente e exaustiva das diferentes condicionantes do sistema.

Desde logo, numa análise séria das condições materiais, funcionais e processuais que influenciam a realização efetiva da justiça.

Alguns temas de reflexão e proposta são, por isso, indispensáveis:

– As condições do acesso à justiça e o dispendioso e frequentemente ineficiente sistema de apoio judiciário, que parece mais vocacionado para apoiar alguns profissionais desvalidos do que para prover aos cidadãos;

– O conjunto de tarefas (não falo de funções legais), muitas delas inúteis, atribuídas aos magistrados e que lhes ocupam tempo e os afastam da concretização mais eficaz do objetivo essencial dos processos;

– A complexidade processual – designadamente na área penal e no que respeita à pequena e média criminalidade – e a consequente promoção da simplificação dos procedimentos, o que pode passar, desde logo, por uma medida tão simples e barata como a da redução e tabelamento obrigatório do tamanho de muitas peças processuais.

Depois, sim, deverá seguir-se a formulação política clara dos objetivos que se pretende alcançar, tendo sempre em atenção, porém, os princípios constitucionais e convencionais, nacionais e internacionais, e os meios financeiros de que se crê poder dispor para tanto.

Em seu tempo, esse foi o método do Congresso da Justiça, promovido pelo bastonário José Miguel Júdice, apoiado por todas associações profissionais e patrocinado pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio.

 

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