O açúcar mata mais do que a pólvora


Basta cruzarmos o corredor das bolachas, chocolates e gomas de qualquer supermercado para comprovar que as opções por aquele tipo de produtos são ilimitadas e acessíveis a qualquer carteira


É inegável que as crianças, nas últimas décadas, têm assumido uma centralidade nas preocupações dos pais, que se reflete no próprio investimento, a vários níveis, que é feito a pensar no seu futuro.

Ainda por nascer, na barriga da mãe, e o holofote já está apontado para aquele que há-de vir a ser o foco de toda a atenção, pelo menos até chegar mais um irmão ou irmã, e mesmo aí, as atenções redobram-se.

Passou a ser normal escolher não ter mais filhos, invocando a qualidade de vida que se proporciona ao filho(s), mesmo deixando transparecer uma vontade de aumentar a família. Assim, como se fosse um sacrifício pessoal, abdicar de mais um filho, em nome das condições inabaláveis e adquiridas dos filhos que já existem, e que com a chegada de mais um irmão já não lhes fosse possível viver a vida que os pais idealizaram, essencial ao seu bem-estar e felicidade. Uma decisão que à primeira vista se reveste de um altruísmo puro, se evitarmos dissecar quais são as prioridades que estão na base desta opção.

Recuando meio século e ainda mais para trás, constatamos que às crianças reservava-se um papel secundário na estrutura comunitária, ausente de direitos, comparativamente com a realidade atual. A força de trabalho e o rendimento familiar contabilizava-se em número de filhos e na sua capacidade para a realização de tarefas remuneradas, parte essencial do orçamento familiar.

A perceção que fomos adquirindo sobre as fragilidades e a inocência das crianças, fez de nós protetores exponenciáveis e guardiões, quase que perpétuos, dos filhos. Para uma “mamma” italiana é comum ter o filho, com 34 anos, a viver debaixo do mesmo tecto. Até mesmo nós, portugueses, também já relativizamos a idade em que um filho sai de casa. A não ser que saiam para ir estudar para fora, ou trabalhar, antecipando a saída de casa dos pais, os jovens portugueses, segundo o Eurostat, só saem de casa, em média, aos 30 anos.

Apesar de toda esta centralidade da criança nas nossas preocupações e nos nossos dias, a verdade é que há incongruências que são difíceis de compreender e que são contraditórias com esta forma de relacionamento.

Em julho, saíram os resultados do Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física, financiado por um fundo da Noruega, Islândia e do Liechtenstein, que revelam que as nossas crianças não consomem peixe e são ávidos consumidores de refrigerantes. Um em cada quatro adolescentes ingere dois refrigerantes por dia, contribuindo para os números de consumo de açúcares livres que estão acima do limite recomendado pela OMS.

Somos o quinto país da Europa com mais crianças obesas. Neste ranking, não se contabilizam as “rechonchudas”, ou as “gordinhas”, que representam quase 8%, em crianças até aos dez anos. Quanto às obesas, contamos com cerca de 18%, agravando-se nos adolescentes (entre os dez e os dezassete anos), que, segundo o relatório, um em cada três sofre de excesso de peso.

Pais que comem mal ensinam os seus filhos a comer mal. Pais com maus hábitos alimentares, conservam esses maus hábitos de geração em geração. Ainda é estabelecida uma relação entre a escolaridade dos pais e a qualidade da alimentação das crianças, confirmando que o reduzido acesso à informação é responsável por escolhas pouco saudáveis no momento de cozinhar, ou quando se fazem as compras no supermercado. Outra constatação prende-se com a fraca capacidade financeira de uma família que acaba por se traduzir numa mesa com produtos mais económicos, mas de baixa qualidade, e a ausência de outros mais saudáveis e indispensáveis, como os legumes e o peixe, que encarecem a fatura na caixa do supermercado.

Basta cruzarmos o corredor das bolachas, chocolates e gomas de qualquer supermercado para comprovar que as opções por aquele tipo de produtos são ilimitadas e acessíveis a qualquer carteira, mas se tivermos a intenção de optar por bolachas sem açúcares, sem isto e sem aquilo, o preço triplica na mesma proporção em que o sabor diminui.

A alimentação educa-se desde o nascimento. Habituamos as crianças a comer de tudo um pouco e quando não gosta, come menos, mas come. Então, podemos concluir que temos falhado na educação alimentar destas novas gerações e que somos responsáveis por muitos dos problemas de saúde que irão ter, como hipertensão, diabetes, arteriosclerose, doenças cardiovasculares, etc…

Na semana em que ouvimos, em direto, alguém a dizer que temos um problema educacional e que estamos perante uma “violação do espaço corporal… quando obrigamos as crianças a beijar os avós, ou a tomar banho”, eu diria que muitos dos problemas que temos com as novas gerações – millennials – é a ausência de educação, em nome das suas liberdades individuais que acentuam e contribuem para o seu individualismo, e a alienação dos vínculos parentais.

Dá-se um chocolate, convencidos que estão a respeitar o desejo de uma criança que não sabe as consequências daquele apetite, e a seguir premeia-se o bom comportamento com um refrigerante à refeição e, quando não se tem tempo para mais nada, até são as crianças quem escolhe a ementa do jantar…. O que é isto, senão a ausência dos pais na educação, convictos de que cedendo a estas vontades estão a fazer o melhor?

É necessária mais informação sobre o que os nossos filhos comem e sobre a qualidade do que compramos. As escolas deverão ser o espaço primário onde esta sensibilização acontece, alertando as crianças para os efeitos nefastos de uma alimentação desequilibrada e tornando-os portadores destas aprendizagens para as suas casas, para que os seus pais possam beneficiar deste conhecimento.