Sunderland. A bola coloridamente rolando sobre a tela

Sunderland. A bola coloridamente rolando sobre a tela


Thomas Hemy foi um marinheiro com nome de navio. Dedicou-se a pintar cenas marítimas e costeiras até ser contratado para fazer um quadro sobre futebol: “O Pontapé de Canto”


Tem como título “The Corner Kick”: óleo sobre tela, 365,7 por 259 centímetros, pintado em 1895 por Thomas Marie Madawaska Hemy.

Parece ser, garantidamente, o primeiro quadro alguma vez pintado sobre futebol. Bem sabem que nestas coisas há sempre um mas… Por isso, deixo lá ficar o “parece” a contrariar o “garantidamente”.

Os pintores têm a imaginação à solta, mas Thomas Hemy levou o quadro do pontapé de canto muito a sério. Talvez tenha ido para o Newcastle Road Ground, em Sunderland, com o cavalete, a tela e as tintas, naquele gélido dia 2 de janeiro. Porque a imagem corresponde a um momento de um jogo autêntico e não é apenas fruto de um talento divagante. E o jogo foi o Sunderland-Aston Villa a contar para a liga inglesa de 1894-95. Ah! E que terminou com um empate espetacular: 4-4.

Acrescente-se que Sunderland e Aston Villa foram os grandes dominadores dessa época: o Sunderland ganhou o campeonato e o Villa conquistou a Taça de Inglaterra.

Hemy tinha aquele estranhíssimo nome do meio, Madawaska, pela simples razão de haver nascido a bordo de um navio, precisamente o SS Madawaska, no qual a sua família viajava para a Austrália. Não é de estranhar que, mais tarde, se decidisse a seguir carreira na marinha mercante. E, por motivos óbvios, iniciasse a sua vida de pintor transportando para a tela paisagens marítimas e costeiras.

De volta a terra, Thomas começou a expor o seu trabalho com alguma notoriedade, sobretudo após terminar os estudos na School of Arts de Newcastle.

Voltemos ao Sunderland: em 1895 era o mais titulado clube de Inglaterra, com uma formidável saúde financeira que lhe permitiu ter uma equipa alcunhada de Team of All the Talents. Não faltava vaidade aos seus dirigentes, a tal ponto que, após uma vitória sobre os escoceses do Heart of Midlothian, adotaram o título de Campeão do Mundo de Clubes. Tantos méritos estavam a pedir a eternidade e Thomas Hemy foi o artista contratado para esse efeito. Apesar de ter mais jeito para desenhar navios, o pintor deitou mãos à obra e retratou o movimento de um pontapé de canto, com quase toda a equipa do Sunderland na sua grande área, ameaçada pela cabeçada de um jogador do Aston Villa. Pormenores curiosos: a pequena área era delimitada por uma linha em meia-lua; a grande área era marcada a risco de um lado ao outro do campo; um dos defesas do Sunderland que aparece em primeiro plano deixou cair a caneleira.

O facto de o clube que lhe encomendou o quadro – está atualmente exposto no novo estádio do Sunderland, Stadium of Light – ser protagonista de uma atitude defensiva foi considerado uma homenagem ao espírito coletivo perante as dificuldades impostas por um adversário valoroso. Parte-se do princípio de que, naquele momento, o Sunderland estivesse em vantagem.

Se “The Corner Kick” está no topo do futebol como pintura, o Sunderland também se tornou um dos clubes preferidos de artistas variados. As camisolas de riscas vermelhas e brancas já tinham surgido numa tela de Jos R. Curry representando a equipa acompanhada pelo seu treinador, Tom Watson, em 1892. E a coisa não se ficou por aqui.

O clube mais triunfante de Inglaterra entrou de pleno direito na história da arte. George Chilvers criou uma gravura colorida sobre um Everton-Sunderland em 1894. Em 1932 apareceu uma aguarela anónima de um Manchester City-Sunderland. O quadro da final da Taça de Inglaterra de 1973, entre o Sunderland e o Leeds United, também se mantém de autor desconhecido. Muitos outros vieram pela primeira vez a público numa exposição organizada pelo clube, datados dos anos 40 e 50. Como se a tela também pudesse ser uma extensão viva do campo de futebol.