Nova crise ou a visita da velha senhora


Os bancos privados, Reserva Federal e grandes grupos industriais norte-americanos sabem que, de vez em quando, têm de tomar a iniciativa à escala global para poderem continuar a dominar a finança


Mais tarde ou mais cedo, nova crise à escala global é inevitável. Não se duvide de que a visita dessa velha senhora que tão bem conhecemos está já a ser planeada. Segundo a famosa sentença proferida em 1982 pelo guru do neoliberalismo e mentor dos Chicago Boys, Milton Friedman (1912-2006), “só uma crise – real ou suposta – pode produzir grandes mudanças”. Todas elas convergindo no sentido de provocar a destruição das economias nacionais, locais e mesmo a nível ainda mais baixo. Para de novo lhes impor regras que as coloquem sob a tutela das empresas multinacionais ou de organismos transnacionais como, por exemplo, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e também, no caso do Velho Continente, a Comissão Europeia. Trata-se, afinal, de fazer com que cada entidade perca a sua soberania e auto-controlo, para a submeter a um controlo externo.

Como escreveu, em 2008, o economista F. William Engdahl, sabe-se há muito que as grandes crises do capitalismo são, regra geral, fenómenos programados, que provocam o pânico para garantir uma maior centralização do poder. Em 1929, por exemplo, os titãs de Wall Street, com o JP Morgan à cabeça, desencadearam deliberadamente o pânico bancário para consolidarem o seu domínio sobre o sistema bancário norte-americano. Os bancos privados utilizaram esse pânico para controlar o sistema político concentrado em Washington, assim como a nova Reserva Federal (criada em 2013) e grandes grupos industriais como a US Steel, a Carterpillar, a Westinghouse e por aí fora. Este tipo de guerra financeira aumenta o poder dos titãs. Eles sabem que, de vez em quando, têm de tomar a iniciativa à escala global para poderem continuar a dominar a finança mundial, ao abrigo da superpotência que os Estados Unidos da América ainda hoje são.

Mas, atenção: não é indispensável que esses choques infligidos sejam sempre reais. Podem perfeitamente ser dramatizados apenas ao nível das percepções. Esses choques recorrentes podem ser só uma farsa ou uma pura ilusão ou, até, misturar a realidade e a ilusão. Um dos mais cínicos conselheiros económicos e políticos do planeta, o francês Alain Minc, escreveu em 2009 o que passo a citar: “Só um acontecimento traumático nos despertará, de tal modo se desvaneceu o efeito do 11 de Setembro de 2001. Tanto pode ser um falso alerta em Londres, como o aparecimento de um cibervirus capaz de bloquear as redes informáticas mundiais, ou, pior ainda, o gesto insano dum psicopata que se considera vítima do sistema. As democracias nunca antecipam, mas reagem. É verdade que a opinião pública não aceita medidas preventivas que perturbariam a sua vida quotidiana, mas aceita as decisões que são tomadas em consequência de um acontecimento traumático. Nada seria melhor, para nos pôr em alerta, que uma gigantesca farsa capaz de suscitar um grande pânico: uma falsa chantagem nuclear, por exemplo, seria, de facto, boa demagogia”… Eis um cinismo assaz revelador!

Mas tal cinismo não é apenas dos titãs de Wall Street ou do obsceno Alain Minc. Também Jean Monnet, um dos pais fundadores da União Europeia, ousou afirmar: “Os homens não aceitam a mudança a não ser em estado de necessidade e só se dão conta da necessidade através de uma crise”. Convém, portanto, causar a crise para então se proceder a uma “destruição intencional” ou “demolição controlada”, isto é, capaz de precaver os distúrbios causados pelo pânico, de impedir que este escape ao controlo de quem o provocou e, por outro lado, com uma solução para estabilizar o sistema, previamente preparada, que será acolhida com enorme entusiasmo por uma população angustiada e sem a menor percepção de ter sido vítima de uma ingerência externa, que causou uma crise manipulada por peritos em engenharia social. A metodologia para lá chegar é bem conhecida e segue, basicamente, as seguintes etapas: estratégia de tensão, bombeiro pirómano, ordem a partir do caos, destruição criadora, “dissolver e coagular”. O que se pode resumir na trilogia “problema-reacção-solução”, bem conhecida dos especialistas em psicologia social, aplicada com grande eficácia na mundialização neoliberal. Como salientam os autores anónimos de um livro precioso intitulado “Gouverner par le Chaos” (Max Millo Editions, Paris, 2010): no passado, as destruições de grande amplitude, à escala duma nação, precisavam dum golpe de Estado ou duma invasão militar, mas os seus responsáveis eram acusados de alta traição e conivência com o inimigo. Hoje em dia, porém, uma operação de mudança bem conduzida obtém o mesmo resultado que um “putsch” mas sem disparar um tiro, apenas através de pequenos toques graduais e progressivos, segmentando e individualizando a população que sofreu o impacto, de modo a que a percepção global do projecto seja baralhada e uma reacção se torne muito difícil.

Lembremo-nos de que, perante a crise desencadeada em 2008, a União Europeia optou por proteger os bancos e fez com que fossem as populações a financiar essa operação de salvamento. Por um genial passe de mágica, os Gregos, os Irlandeses e os Portugueses, por exemplo, foram chamados a pagar a decisão dos bancos americanos de vender créditos a clientes insolventes (os “subprime”). E é claro que estas crises, para além de alguns inconvenientes, permitem, sobretudo, manter a pressão sobre as populações dos países desenvolvidos e, muito em especial, sobre as populações europeias. Tomada a decisão de desencadear a crise, mete-se medo, estigmatiza-se a população e avança-se em força. É a chamada “estratégia do choque”, tão bem explicada por Naomi Klein. Por outro lado, como escreveu Robert B. Reich em 2010, no seu livro intitulado “Aftershock” (Dom Quixote, 2011): “Não há dúvida de que um esforço económico prolongado (imposto às populações) pode abrir a porta a demagogos que se alimentam das ansiedades do público para conquistar o poder. Um estudo sociológico clássico de 35 ditaduras concluiu que, quando as populações se sentem economicamente ameaçadas e arrancadas aos seus hábitos de vida normais, olham para figuras autoritárias que prometem remédios simples e apontam bodes expiatórios. Além disso, é sabido que o sistema de capitalismo neoliberal gera um importante e inevitável subproduto: uma cidadania despolitizada, marcada pela apatia e pelo cinismo. Sem dúvida que o neoliberalismo é o primeiro e imediato inimigo de uma genuína democracia participativa. “Mercado por todo o lado” (“über alles”), lema crucial do neoliberalismo, faz com que as democracias criem centros comerciais em vez de espaços comunitários e produzam consumidores em vez de cidadãos. O resultado prático é uma sociedade atomizada, plena de indivíduos desenraizados e desmoralizados, que se sentem social e politicamente impotentes.

Acreditem que as visitas da “velha senhora”, a crise, não auguram nada de bom…
 


Nova crise ou a visita da velha senhora


Os bancos privados, Reserva Federal e grandes grupos industriais norte-americanos sabem que, de vez em quando, têm de tomar a iniciativa à escala global para poderem continuar a dominar a finança


Mais tarde ou mais cedo, nova crise à escala global é inevitável. Não se duvide de que a visita dessa velha senhora que tão bem conhecemos está já a ser planeada. Segundo a famosa sentença proferida em 1982 pelo guru do neoliberalismo e mentor dos Chicago Boys, Milton Friedman (1912-2006), “só uma crise – real ou suposta – pode produzir grandes mudanças”. Todas elas convergindo no sentido de provocar a destruição das economias nacionais, locais e mesmo a nível ainda mais baixo. Para de novo lhes impor regras que as coloquem sob a tutela das empresas multinacionais ou de organismos transnacionais como, por exemplo, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e também, no caso do Velho Continente, a Comissão Europeia. Trata-se, afinal, de fazer com que cada entidade perca a sua soberania e auto-controlo, para a submeter a um controlo externo.

Como escreveu, em 2008, o economista F. William Engdahl, sabe-se há muito que as grandes crises do capitalismo são, regra geral, fenómenos programados, que provocam o pânico para garantir uma maior centralização do poder. Em 1929, por exemplo, os titãs de Wall Street, com o JP Morgan à cabeça, desencadearam deliberadamente o pânico bancário para consolidarem o seu domínio sobre o sistema bancário norte-americano. Os bancos privados utilizaram esse pânico para controlar o sistema político concentrado em Washington, assim como a nova Reserva Federal (criada em 2013) e grandes grupos industriais como a US Steel, a Carterpillar, a Westinghouse e por aí fora. Este tipo de guerra financeira aumenta o poder dos titãs. Eles sabem que, de vez em quando, têm de tomar a iniciativa à escala global para poderem continuar a dominar a finança mundial, ao abrigo da superpotência que os Estados Unidos da América ainda hoje são.

Mas, atenção: não é indispensável que esses choques infligidos sejam sempre reais. Podem perfeitamente ser dramatizados apenas ao nível das percepções. Esses choques recorrentes podem ser só uma farsa ou uma pura ilusão ou, até, misturar a realidade e a ilusão. Um dos mais cínicos conselheiros económicos e políticos do planeta, o francês Alain Minc, escreveu em 2009 o que passo a citar: “Só um acontecimento traumático nos despertará, de tal modo se desvaneceu o efeito do 11 de Setembro de 2001. Tanto pode ser um falso alerta em Londres, como o aparecimento de um cibervirus capaz de bloquear as redes informáticas mundiais, ou, pior ainda, o gesto insano dum psicopata que se considera vítima do sistema. As democracias nunca antecipam, mas reagem. É verdade que a opinião pública não aceita medidas preventivas que perturbariam a sua vida quotidiana, mas aceita as decisões que são tomadas em consequência de um acontecimento traumático. Nada seria melhor, para nos pôr em alerta, que uma gigantesca farsa capaz de suscitar um grande pânico: uma falsa chantagem nuclear, por exemplo, seria, de facto, boa demagogia”… Eis um cinismo assaz revelador!

Mas tal cinismo não é apenas dos titãs de Wall Street ou do obsceno Alain Minc. Também Jean Monnet, um dos pais fundadores da União Europeia, ousou afirmar: “Os homens não aceitam a mudança a não ser em estado de necessidade e só se dão conta da necessidade através de uma crise”. Convém, portanto, causar a crise para então se proceder a uma “destruição intencional” ou “demolição controlada”, isto é, capaz de precaver os distúrbios causados pelo pânico, de impedir que este escape ao controlo de quem o provocou e, por outro lado, com uma solução para estabilizar o sistema, previamente preparada, que será acolhida com enorme entusiasmo por uma população angustiada e sem a menor percepção de ter sido vítima de uma ingerência externa, que causou uma crise manipulada por peritos em engenharia social. A metodologia para lá chegar é bem conhecida e segue, basicamente, as seguintes etapas: estratégia de tensão, bombeiro pirómano, ordem a partir do caos, destruição criadora, “dissolver e coagular”. O que se pode resumir na trilogia “problema-reacção-solução”, bem conhecida dos especialistas em psicologia social, aplicada com grande eficácia na mundialização neoliberal. Como salientam os autores anónimos de um livro precioso intitulado “Gouverner par le Chaos” (Max Millo Editions, Paris, 2010): no passado, as destruições de grande amplitude, à escala duma nação, precisavam dum golpe de Estado ou duma invasão militar, mas os seus responsáveis eram acusados de alta traição e conivência com o inimigo. Hoje em dia, porém, uma operação de mudança bem conduzida obtém o mesmo resultado que um “putsch” mas sem disparar um tiro, apenas através de pequenos toques graduais e progressivos, segmentando e individualizando a população que sofreu o impacto, de modo a que a percepção global do projecto seja baralhada e uma reacção se torne muito difícil.

Lembremo-nos de que, perante a crise desencadeada em 2008, a União Europeia optou por proteger os bancos e fez com que fossem as populações a financiar essa operação de salvamento. Por um genial passe de mágica, os Gregos, os Irlandeses e os Portugueses, por exemplo, foram chamados a pagar a decisão dos bancos americanos de vender créditos a clientes insolventes (os “subprime”). E é claro que estas crises, para além de alguns inconvenientes, permitem, sobretudo, manter a pressão sobre as populações dos países desenvolvidos e, muito em especial, sobre as populações europeias. Tomada a decisão de desencadear a crise, mete-se medo, estigmatiza-se a população e avança-se em força. É a chamada “estratégia do choque”, tão bem explicada por Naomi Klein. Por outro lado, como escreveu Robert B. Reich em 2010, no seu livro intitulado “Aftershock” (Dom Quixote, 2011): “Não há dúvida de que um esforço económico prolongado (imposto às populações) pode abrir a porta a demagogos que se alimentam das ansiedades do público para conquistar o poder. Um estudo sociológico clássico de 35 ditaduras concluiu que, quando as populações se sentem economicamente ameaçadas e arrancadas aos seus hábitos de vida normais, olham para figuras autoritárias que prometem remédios simples e apontam bodes expiatórios. Além disso, é sabido que o sistema de capitalismo neoliberal gera um importante e inevitável subproduto: uma cidadania despolitizada, marcada pela apatia e pelo cinismo. Sem dúvida que o neoliberalismo é o primeiro e imediato inimigo de uma genuína democracia participativa. “Mercado por todo o lado” (“über alles”), lema crucial do neoliberalismo, faz com que as democracias criem centros comerciais em vez de espaços comunitários e produzam consumidores em vez de cidadãos. O resultado prático é uma sociedade atomizada, plena de indivíduos desenraizados e desmoralizados, que se sentem social e politicamente impotentes.

Acreditem que as visitas da “velha senhora”, a crise, não auguram nada de bom…