O estatuto do MP: a carreira plana


O novo modelo poderá permitir mais transparência, objetividade e rigor na escolha e nomeação dos responsáveis por áreas especializadas e de direção


A Ministra da Justiça anunciou, recentemente, a aprovação de uma proposta de lei para rever o Estatuto do Ministério Público.

Assinalou algumas das linhas gerais de tal proposta e, mais especificadamente, esclareceu os fundamentos da reforma da carreira dos magistrados, por via da introdução da carreira plana.

Haverá, por certo, outras e relevantes questões a analisar nesta proposta, o que, necessariamente, há de ser feito pela Assembleia da República, ouvidas, entre outras entidades, a PGR e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

Sobre elas muito se irá, ainda, debater e escrever.

É, contudo, a inovadora carreira plana que me interessa agora destacar.

Esta ideia, que não é originalmente portuguesa, começou a ser discutida e apreciada positivamente nos fóruns institucionais e associativos de magistrados – internacionais e nacionais –, faz já mais de quinze anos.

Ela foi acolhida, entretanto, entre nós, pela generalidade dos partidos políticos, tendo sido introduzida, por alguns, nos seus programas eleitorais.

Assenta numa premissa simples: os magistrados que exercem competências processuais próprias – portanto, não delegadas – devem ter um estatuto que os responsabilize e dignifique por igual.

Não fazia já sentido, pois, manter a diferença estatutária entre Procuradores da República (PR) e Procuradores Adjuntos (PA), porquanto ela nem sequer correspondia a responsabilidades processuais diferentes.

O que tal diferenciação formal, comprovadamente, impedia era, em muitos casos, que PA, com anos de experiência e as qualificações adequadas, pudessem exercer cargos em departamentos e jurisdições especializadas, ou em lugares de direção onde era necessária e desejada a sua experiência.

Isto, pelo facto de o quadro necessariamente fechado de PR – categoria formalmente competente para tais funções – filtrar e impedir tal possibilidade.

Acontecia, ainda, que, quando aceitavam ser promovidos ao escalão superior, nem sempre os PA vinham a ocupar lugares que correspondiam à sua especialidade e habilitação iniciais, pois a vaga de PR a preencher residia, precisamente, em departamento ou jurisdição diferentes.

Essa inadequação debilitava, desde logo, a sua autoridade funcional futura.

Tais magistrados, ou anuíam, porém, ser colocados em lugares para os quais não tinham formação específica, ou tinham de renunciar à promoção, caso não quisessem desempenhar funções em áreas para que não estavam especialmente qualificados.

O empenho na qualificação que, esforçadamente, antes haviam obtido era, assim, desperdiçado, com prejuízo para os próprios, para os serviços e, sobretudo, para os cidadãos.

Se isso complicava a vida dos magistrados, complicava, ainda mais, reconheça-se, a gestão racional dos quadros por parte da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP).

Por isso, demasiadas vezes, tiveram tais órgãos de enveredar por uma gestão engenhosa e criativa que, mesmo quando sensata, distorcia, não raro, os critérios da criação de lugares, escolha e promoção plasmados na lei, o que sempre desestabilizava a magistratura.

O novo modelo – que implica, além do mais, um exigente grau de autogestão da carreira por parte dos próprios magistrados – poderá permitir, deste modo, também, maior transparência, objetividade e rigor na escolha e nomeação dos responsáveis por áreas especializadas e de direção.

Muito do seu sucesso resultará do afinamento legislativo de certos detalhes, mas situar-se-á, sobretudo, estou certo, na capacidade que a PGR e o CSMP tenham de desenvolver e estabelecer critérios transparentes, rigorosos e isentos de concurso e seleção dos candidatos para os diferentes lugares.

Mas, a autonomia do MP reside também aí.

 

Escreve à terça-feira