Crónica sobre o lápis azul do BE


Hoje é a extrema-direita francesa que é impedida de falar, mas em Portugal há todo um histórico de silenciamento político dos não alinhados que não começou com o Estado Novo


É um assunto relativamente estafado, mas praticamente incontornável, esta espécie de loucura colectiva de demissão crítica que afecta a intelligentsia vigente, que treme envergonhada à mais sibilina suspeita da eventualidade de uma opinião de alegada extrema-direita, mas que dorme tranquila e descansada com os trotskistas e os comunistas (das extremas-esquerdas unidas) metidos na cama do PS.

É o mesmo tipo de sobressalto demente que, depois de quase quatro anos de um cada vez maior espartilho fiscal e de quebra de investimento público – com degradação acelerada dos serviços utilizados essencialmente pelos pobres, que são também os grandes prejudicados pela nova fiscalidade não austeritária que passou do rendimento para a tributação indirecta –, se indigna com o facto de o presidente do Eurogrupo (o Ronaldo do PS) vir fazer vídeos sobre o resgate à Grécia, mas se cala sobre o estado dos hospitais e dos transportes de cá. É o ridículo folclórico da esquerda-caviar no seu máximo esplendor!

Só que, passado esse inócuo exercício de semiexpiação, mantém-se o tal tema profundamente inquietante de, no ano de 2018, alguém com responsabilidades políticas (do alto da recentemente muito desmentida putativa superioridade moral, dificilmente compatível com quem dorme tranquilo com as vitórias democráticas da Venezuela e os arremedos antiespeculativos do Robles) entender que tem direito a impedir quem quer que seja de falar e debater o que quer que seja, por causa de uma orientação política.

Aliás, se considerarmos toda uma plêiade de organismos de indesmentível inutilidade, é difícil de perceber como é que os jornais não anunciaram ainda a instauração dos competentes inquéritos-crime pelos crimes de ódio que o BE, dia sim dia não, comete contra a liberdade de expressão e política dos outros, as ideologias dos outros e o direito a pensar diferente de todos os outros. Ou, muito singelamente, que nenhum democrata, como já os houve, não tenha lembrado estes doutrinadores das ideologias totalitárias, e que tão bons e comprovados resultados deixaram das mesmas por todos os países onde passaram, que, nas democracias liberais, o direito a dizer aberrações e disparates em nome de um ideal totalitário não é exclusivo dos aburguesados das esquerdas-caviar, e pode e deve também ser reconhecido aos totalitaristas de extrema-direita por manifesta afinidade extremista e ditatorial do Estado, dos costumes e das ideias. Afinal de contas, como o PREC que tanto amam imortalizou, depois do 25 de Abril, o disparate passou a ser livre.

Não deve, por isso, por manifesta higiene e saúde pública, deixar-se o BE a doutrinar sozinho.

Por isso, é sinal da (falta de) qualidade da nossa democracia e cidadania que este crime contra a diversidade e liberdade política e de expressão (mesmo que de um partido igualmente extremista) aconteça sem alarme social.

Hoje é a extrema-direita francesa que é impedida de falar, mas em Portugal há todo um histórico de silenciamento político dos não alinhados que não começou com o Estado Novo.

Contrariamente às tais narrativas tão gratas aos grandes símbolos das esquerdas, narrativas essas onde, em momentos de invulgar e improvável acaso, a realidade chega mesmo a quadrar com o discurso vigente, a repulsa pela liberdade de expressão (liberdade politica e social que grassava ao longo da monarquia constitucional), não foi o Estado Novo quem primeiro aboliu e perseguiu liberdades várias, como a de expressão, além de muitas outras liberdades cívicas, políticas e religiosas.

Aquela fúria normalizadora e do discurso único, branqueado, assético e previamente filtrado para que as massas não possam sequer pensá-lo, e que vai sendo servido em doses cada vez maiores na experiência social em que este governo decidiu transformar a escola – agora também única, tutelada pelos Nogueiras do ME, e devidamente centralizada e apta à promoção de um produto normalizado de impreparados impulsionados para o mercado pelo mero critério administrativo (onde o mérito há muito morreu) e, portanto, já devidamente formatados para a futura indigência e o clientelismo sabujo –, teve origem muito mais violentamente, nos vários movimentos de que alguns ainda são herdeiros, na i República.

Só quem já tenha sucumbido aos programas branqueadores e doutrinários desta sociedade a caminho do socialismo é que pode entender, como amiúde tentam vender, que terão sido apenas o Estado Novo e a direita fascista que alguma vez atentaram contra a liberdade de expressão.

Veja-se, aliás, o paralelismo dos fios condutores e pasme-se: como é possível isto estar a acontecer à nossa frente, outra vez, com todos os sintomas, e nada nem ninguém se insurge?

Catarina foi eleita, dirão; Hitler, também.

No ocaso da i República, o movimento do 28 de Maio desceu triunfante de Braga até Lisboa em aclamação, tal o estado a que o país chegara durante essa experiência falhada e sanguinária.

Quem não protege a liberdade arrisca-se a ficar sem ela. Quem ouve, do alto do púlpito, a extrema-esquerda (ou outro qualquer) a ditar quem pode ou não discursar onde quer que seja (sem reação nem indignação), muito provavelmente não merece a liberdade que tem. Num momento em que a invocação dos heróis do 25 de Novembro, que a AR já não comemora, dá lugar a saneamentos no Regimento de Comandos, temos de estar alerta!

É um desígnio da liberdade e de uma democracia não populista que tal não aconteça nem seja permitido e que grupos de radicais das franjas do espectro já não democrático, sem relevante expressão eleitoral, não ditem as agendas, os costumes e as ideias dos muitos outros, impondo-lhes um modelo de pensamento único seu.

Estes fascismos da esquerda ou da direita outra vez em Portugal, não, obrigado!

 

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990