Kevin Spacey. Quando os vícios privados invadem as virtudes públicas

Kevin Spacey. Quando os vícios privados invadem as virtudes públicas


Na noite de estreia, o novo filme de Kevin Spacey só gerou 126 dólares (cerca de 110 euros), um recorde negativo nos cinemas americanos. “Clube dos Bilionários” apenas foi exibido em dez salas, o que dá uma média de um (!) espetador por sala, quando “Baby Driver”, de há um ano, rendeu 16 milhões de…


É a derrocada a céu aberto de Kevin Spacey. “O Clube dos Bilionários” já é um fracasso absoluto ao ter gerado apenas 126 dólares na noite de estreia. O filme só foi exibido em dez salas, depois de no mês passado ter estado disponível em serviços de video-on-demand.

A obra centra-se na história real do clube social e de investimento com o mesmo nome que deu que falar na Califórnia dos anos 80, quando foi desmascarado um esquema de Ponzi (pirâmide fraudulenta de investimento que envolve o pagamento de rendimentos anormalmente altos a investidores, à custa do dinheiro investido por outros investidores que cheguem posteriormente, em vez da receita gerada por um negócio real).

Há apenas um ano, “Baby Driver”, coprotagonizado pelo ator, gerou 16 milhões de dólares de receita (cerca de 14 milhões de euros) só no primeiro fim de semana nos cinemas. Em outubro, Spacey foi acusado pelo também ator Anthony Rapp de o ter seduzido numa festa no seu apartamento em Manhattan, quando tinha apenas 14 anos. O ator explicou que se sentia aborrecido por não conhecer ninguém na festa e fechou-se num quarto a ver televisão; pouco depois viu Kevin Spacey à porta, a olhar. “Ele ficou parado à porta, como que a balançar-se. A primeira impressão que tive foi que estava embriagado… pegou em mim como os noivos pegam nas noivas. Mas eu não saí logo, porque só pensava ‘o que é que se está a passar?’. E depois ele deitou-se em cima de mim”, contou. Spacey assumiu e confessou ser gay. A partir daí, foi sempre a descer.

“Se me comportei como ele diz, então devo-lhe o pedido de desculpas mais sincero pelo que foi um comportamento inapropriado e lamento pelos sentimentos que ele diz ter tido durante todos estes anos”, admitiu. “Esta história deu–me coragem para lidar com outros aspetos da minha vida. Aqueles que me são mais próximos sabem que na minha vida tive relações com homens e mulheres. Amei e tive relações amorosas com homens toda a minha vida e agora decido viver a minha vida como um homem gay”, confessou. 

Nem o escândalo surgiu destituído de contexto nem a declaração o ilibou da reprovação pública. O “caso Kevin Spacey” foi mais um prego no caixão de uma Hollywood abalada pelas revelações sobre a conduta de Harvey Weinstein ao longo de décadas. 

De Louis C.K. a Aziz Ansari, de James Franco a David Copperfield, Michael Douglas, Bruce Weber, Mario Testino e Steven Seagal, sem esquecer as acusações já conhecidas a Bill Cosby, o cataclismo fez estragos. E os vícios privados, comprovados ou indiciados, deixaram em xeque virtudes públicas até há um ano inabaláveis na cultura popular americano de expressão global.

Além desta, outras cinco acusações de crime sexual a Kevin Spacey estão a ser investigadas. As consequências foram drásticas e imediatas: os números irrisórios de “Clube dos Bilionários” são apenas a derradeira. Spacey perdeu o papel principal em “The House of Cards” e o papel em “All the Money in the World”, de Ridley Scott, para Christopher Plummer. A Netflix também cancelou um filme sobre Gore Vidal em que Spacey iria representar o escritor. 

Entendidos na matéria anteveem que o filme com Ansel Elgort, Taron Egerton, Billie Lourd e Emma Roberts no elenco pode nem chegar aos mil dólares de receita – o filme estreia-se nas salas portuguesas a 27 de setembro. E confirma as dúvidas levantadas pela distribuidora Vertical Entertainment, que ponderou cancelar a estreia. O filme acabou por ir avante porque Spacey tinha um “pequeno papel secundário”. 

“No final, esperamos que o público tire as suas próprias conclusões sobre as alegações repreensivas dirigidas ao passado de uma pessoa, e não a uma equipa inteira que fez este filme acontecer”, justificou a empresa em declaração. 

Público ou privado? Em breve declaração por escrito ao i, Herman José defende que “tal como na pintura, a avaliação da obra final do criador está condicionada ao seu discurso e à sua história” e usa a sua experiência pessoal para afirmar que “mesmo um grande ator como Kevin Spacey” precisa de “bastante persistência e muito trabalho para recuperar a sua imagem e a simpatia dos fãs”. Em Portugal, Herman José sofreu com o envolvimento no processo Casa Pia. “Estás numa esplanada, vem uma camioneta para cima de ti, parte-te todo e tens duas opções – ou morres ou tentas voltar a andar com fisioterapia. [É como] ser atropelado por um sistema disfuncional como o português, não fiscalizado, dominado por inimputáveis sem se poder fazer nada”, lamentou em entrevista ao “Expresso”. 

Como nunca, o tema está na ordem do dia. E tem nas redes sociais um aliado para o bem e para o mal. O rapper Kanye West é há anos severamente criticado pelas suas declarações bombásticas, quer no Twitter quer em acontecimentos públicos, questionando a relação com a sua obra. Na semana passada, Ruby Rose, a nova Batwoman, apagou o Twitter depois dos ataques por ser gender fluid (ou seja, aberta a homens e mulheres), e não lésbica como a personagem. E continua…