2004. Sampaio pensou, pensou e decidiu que Santana seria líder de governo

2004. Sampaio pensou, pensou e decidiu que Santana seria líder de governo


No verão de 2004, Durão Barroso demitiu-se para liderar a Comissão Europeia. Sampaio deu posse a Santana, mas demitiu-o cinco meses depois, abrindo espaço para Sócrates


Num bungalow de praia na ilha do Sal, um grupo de jornalistas de férias reuniu-se à volta do televisor para assistir em direto ao discurso do então Presidente Jorge Sampaio. Estava em jogo o futuro do país: Durão Barroso demitira-se de primeiro-ministro para assumir o cargo de presidente da Comissão Europeia e o chefe de Estado vinha comunicar ao país se aceitava que o PSD tinha condições para continuar a governar, agora com Pedro Santana Lopes à frente do executivo, ou convocava eleições antecipadas.

Sampaio manteve o suspense no discurso, explicando em longo preâmbulo o que estava em jogo, nesse dia 9 de julho de 2004, uma “decisão complexa, dada a controvérsia sobre a melhor forma de resolver o problema”, pois “qualquer das alternativas comportava custos” e “a opinião pública tinha a perceção destes custos e, por isso, dividiu-se entre os dois caminhos para resolver a crise”.

A meio, o sublinhar da “importância da estabilidade política enquanto fator de desenvolvimento nacional e de regular funcionamento das instituições democráticas” dava a entender que, entre os dois caminhos, o chefe de Estado assumira que o melhor era manter o executivo nas mãos do PSD, porque este continuava a ter a legitimidade da maioria que o elegera em legislativas.

Nem o facto de os sociais-democratas chegarem à crise política vindos de uma derrota estrondosa nas eleições europeias de maio de 2004 – onde o PS conseguiu 44,5% dos votos e a coligação PSD/CDS se ficou pelos 33,2% – demoveu Sampaio, o que lhe valeu duras críticas dentro dos socialistas. “Eu não fiz em julho de 2004 aquilo que a minha gente queria que fizesse e houve mesmo quem me acusasse de traição ao meu eleitorado”, conta o ex-Presidente no segundo volume da sua biografia política, escrita por José Pedro Castanheira.

A verdade é que, tanto naquele bungalow em Cabo Verde como entre muitos outros portugueses, as opiniões dividiam–se. E quem criticou o Presidente não se coibiu de o dizer com palavras fortes, como Ana Gomes, que chegou a dizer que a democracia estava em perigo e se arrependia de ter votado em Sampaio nas presidenciais. Aliás, Carlos César, perante o avolumar de adjetivos negativos contra o chefe de Estado que se ouviam entre os socialistas, chegou mesmo a pedir aos camaradas para que usassem “maior sensatez nos comentários”.

Sampaio não se demoveu, deu posse ao governo de Santana Lopes, vetou o nome de Paulo Portas para os Negócios Estrangeiros e assistiu da varanda do Palácio de Belém a cinco meses peripatéticos de um governo que, entre gafes, erros, remodelações e outros percalços, acentuou a crise social-democrata, que se antevira nas europeias, e abriu caminho para a única maioria do PS na história da democracia portuguesa, com José Sócrates como primeiro-ministro.

Muitos ainda hoje defendem que a decisão de Sampaio foi feita de acordo com um calculismo político que viria a dar os resultados desejados: ser o próprio Santana Lopes a ajudar à decadência política do PSD, permitindo aos socialistas voltarem ao poder. O ex-Presidente sempre o negou e reiterou-o no segundo volume da sua biografia, onde considerou essa teoria como “completamente mentira”. Sampaio garante que “não há, de todo, nenhuma ligação entre a nomeação de julho e a dissolução de dezembro, que foi a hecatombe”.

Com alguma mágoa pela interpretação e pelas marcas que a sua decisão deixou, o ex-líder socialista acrescentou: “Ainda hoje há quem pense que foi tudo uma artimanha, uma dissolução clínica e conspirativa. Mas quem é que hoje em dia, em política, faz previsões a seis meses? E custou-me todas as críticas que se conhecem e uma amizade que durou anos a compor…”