O Bananal – Pantomina de rua em 10 episódios

O Bananal – Pantomina de rua em 10 episódios


O turismo é que não para de crescer, reclamando o governo para si os méritos de tão rentável invasão


1. Até junho, a redução da área ardida é de 71% da média dos últimos dez anos, referiu o ministro Eduardo Cabrita no parlamento. Tem toda a razão na empáfia: uma primavera fresca e chuvosa era uma das políticas definidas para o combate aos incêndios. Ter concretizado tal medida é obra. Aplausos da geral.

 

2. Fixou o governo para 2018 um aumento significativo do investimento público. Mas a execução orçamental, diz a UTAO, tem sido tão baixa que, excluindo a despesa com concessões – mero pagamento de obra já feita –, o investimento realizado até maio desceu em vez de subir, com a agravante de no período homólogo passado ter sido insignificativo.

Erro, por certo, da UTAO, que palavra orçamentada é palavra honrada. Com intermitência, claro está: a honra governamental vai sofrendo cortes e cativações ao ritmo das que faz no Orçamento. Aclamação da plateia para uma honra assim volátil, símbolo do novo tempo.

 

3. Mas, ao contrário do investimento, a carga fiscal e a dívida pública portuguesa subiram às maiores alturas de sempre. Palmas para o governo, que a subir dívida e impostos é mesmo bom, e melhor ainda a negar que tal aconteça.

 

4. Comentando a recusa do PC e do Bloco em aprovar a revisão da lei laboral, o ministro Vieira da Silva enfatizou que tal revisão, mesmo que rejeitada pelos próprios, se inseria no espírito desses partidos – uma afirmação de suprema coerência, daquelas que conseguem fazer o círculo quadrado. E mais quadrado e mais redondo quando juntou que tal revisão poderia ter a aceitação do PSD. Afinal, todos juntinhos, espírito e votos. Ovação da esquerda baixa à direita alta.

 

5. Em fins de 2017, o governo congratulou-se com o acordo com os sindicatos relativamente à recuperação do tempo de serviço dos professores, que “traduzia um modelo responsável, financeiramente sustentável, e permitia devolver a paz social às escolas e valorizar a classe”.

Agora, “não há dinheiro para pagar esta reivindicação salarial…” e “decidir fazer a reabilitação do IP3 é decidir não fazer evoluções nas carreiras ou vencimentos…”.

Também tem toda a razão: neste novo tempo, a palavra não é para honrar, é cantiga para entreter, mero intermezzo de pantomina de rua. O Orçamento foi posto no seu devido lugar. Saudação para tão excelente representação.

 

6. Administradores hospitalares dizem que o caos instalado nos serviços se acentuará inevitavelmente com a diminuição do horário para 35 horas e que a prometida entrada de novos enfermeiros para compensar tal diminuição apenas cobre um terço das necessidades. Por isso, fecham serviços.

Sabendo há muito que 35 é igual a 40, por milagroso decreto criador de uma produtividade colossalmente imaginativa, tem de admitir–se que só por uma insanável incompetência é que os administradores hospitalares não conseguem harmonizar serviço e turnos qualquer que seja o horário, na base do mesmo pessoal. Pateada estrondosa para os administradores hospitalares.

 

7. Mas assinalável produtividade manifesta a Associação Montepio ao declarar um lucro de 831 milhões, dos quais 790 milhões se devem a sofisticada engenharia contabilístico-fiscal, capaz de transformar prejuízos efetivos em lucros contabilizados. Aplausos para o governo, ativo compère em tal magia.

 

8. O turismo é que não para de crescer, reclamando o governo para si os méritos de tão rentável invasão. À míngua de políticas conhecidas que produzissem tal efeito, a situação só pode ser explicada por medidas governamentais ultrassecretas de fomento da instabilidade nos mercados turísticos da Turquia, Egito e norte de África, nossos concorrentes. Aplausos para o governo, confidenciais, para salvar a ética republicana…

 

9. Segundo o Conselho Nacional da Juventude, há 54 presidentes de associações juvenis que têm mais de 60 anos, metade têm mais de 41 anos e o jovem presidente mais velho tem 86 anos. Grande ovação juvenil!…

 

10. E é certamente neste clima que o jovem Pedro Santana Lopes ameaça pela terceira vez, mas agora de vez, criar um novo partido. As palmas ainda não terminaram…

Não, isto não é peça representada em Portugal, isto são coisas de um qualquer bananal marciano. Por cá não há pantomineiros, temos uma democracia de qualidade.

 

Economista e gestor

Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”

pcardao@gmail.com