Funcionários políticos


Uma democracia de qualidade não compactua com o funcionário político e exige novos modelos eleitorais, novos modelos de comportamento, ética e transparência


A conjuntura política é demonstrativa da falta de compreensão de que a generalidade dos partidos padece relativamente à relação que os cidadãos mantêm com a política. A evidência mostra–nos que este afastamento, bem visível à escala europeia, é agravado pela excessiva burocratização de Bruxelas, dos Estados, dos aparelhos públicos e da generalidade dos partidos, que se transformaram em plataformas de acesso a estas diversas “repartições”.

Este fenómeno é uma consequência direta da transformação dos partidos políticos em centros de emprego público para os funcionários políticos que por lá vão crescendo, na sua maioria sem noção nem sentido da essência da política e do serviço público. É dentro dos partidos, pela forma como o sistema político está organizado, que se decide quem governa. A dependência da nomeação dos candidatos à generalidade das eleições relativamente aos partidos é de tal forma vincada que o prodígio da interajuda entre pares é a condição para o acesso ao poder. É neste círculo vicioso que os partidos vivem. Uns ambicionam o poder; outros, apenas um cheque ao fim do mês numa qualquer repartição ou cargo de adjunto. A interdependência entre estes dois grupos constitui a essência do sistema político português.

Este fenómeno trouxe-nos duas terríveis consequências: o gradual afastamento dos cidadãos relativamente à política, aos políticos e aos partidos políticos, e a gradual degradação qualitativa dos políticos, asfixiando a criatividade na visão política, elemento essencial à evolução da sociedade e da pessoa humana.

São estes funcionários políticos quem, dentro dos partidos, decidem em função dos seus interesses e alinhamentos pessoais quem são os candidatos a primeiro-ministro. São também as mesmas pessoas quem decide quem dos partidos é candidato às diferentes eleições. Estas escolhas são baseadas em critérios que pouca ligação têm com os reais interesses dos eleitores. É um mundo à parte, totalmente hermético à sociedade que, em teoria, deveria representar.

A atual solução governativa de esquerda é um exemplo bem evidente dessa forma de estar na política. Dir-se-ia que a fragilidade do modelo, a ausência de reformas e criatividade política que caracterizam este governo e o PS poderiam constituir o incentivo para a renovação, há muito aguardada, do PSD no que à visão sobre o sistema político, organização do Estado e desenvolvimento económico diz respeito. Contudo, a evidência mostra um partido estagnado, sem projeto e sem ideias, também ele refém dos funcionários políticos. Espera-se do PSD, partido fundado por Francisco Sá Carneiro, muito mais. Espera-se uma JSD com intervenção social e de voluntariado para que possa ser a escola de serviço público que se exige a modelos políticos orientados para a evolução da sociedade. Esperam-se propostas concretas de reforma do sistema político e governativo, reforma da burocracia interna e da redução do Estado onde efetivamente não acrescenta valor aos cidadãos. Espera-se do PSD uma visão clara para a forma como Portugal se enquadra na Europa e para o que deve a Europa ser num séc. xxi cheio de novos desafios.

Sobre estas matérias, os funcionários políticos têm poucas convicções e o partido mantém o estilo amorfo a que nos foi habituando.

Saúdo aqui os novos responsáveis pelo Instituto Sá Carneiro pela exceção que constituem neste universo e pela forma como têm, ao longo do tempo, defendido as suas convicções, bem como a visão inovadora, reformista, ética e meritocrática que consigo carregam, bem distinta do posicionamento do comum e generalizado funcionário político.

Uma democracia de qualidade não compactua com o funcionário político e exige novos modelos eleitorais, novos modelos de comportamento, ética e transparência na vida em sociedade.

 

Ativista político

Presidente executivo do Taguspark, professor da Escola de Gestão do ISCTE/IUL

Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”