“Que seja de todos,
Sol e vida estrela de igualdade
símbolo, força, sinal.”
António Arnaut
A morte de António Arnaut, o principal obreiro do Serviço Nacional de Saúde, uma das maiores conquistas do nosso regime democrático, levou-me a refletir sobre a democracia, esse regime tão frágil, tão sensível, mas essencial para a nossa liberdade, isto é, para a nossa vida plena.
Numa altura em que alguns – cada vez mais – parecem aspirar ao regresso de um novo Leviatã – um Estado todo-poderoso, autoritário, pretensamente protetor dos cidadãos –, convém estarmos cada vez mais atentos aos sinais evidentes de doença da nossa democracia, para que ela possa ser tratada a tempo e, deste modo, se evite o seu falecimento.
Desde logo, mantendo e reforçando sistemas essenciais como a saúde, a justiça e a educação, tratando–os com especial atenção, evitando a sua crescente degradação. No caso da saúde e da educação, uma sã convivência dos domínios público e privado é essencial, não cedendo a tentações economicistas e, sobretudo, de proteção de lucros fáceis.
A administração da justiça é hoje um dos principais males de que padece a nossa democracia. À sua histórica lentidão alia-se a constatação da existência de um prato da balança para os pobres e o outro para os ricos ou poderosos.
O perigoso descrédito da classe política, o afastamento crescente dos jovens da participação eleitoral, a corrupção, o nepotismo e a incompetência são verdadeiros cancros que minam todo o sistema e alimentam o denominado populismo que, em nome do povo, é uma semente do totalitarismo.
Vale a pena recordar outros obstáculos que se levantam na atualidade, na perspetiva de Norberto Bobbio: a especialidade, que implica um aumento de competências técnicas específicas; a burocracia e a lentidão dos processos, isto é, a demora na satisfação das questões levantadas pelos cidadãos, cada vez mais exigentes.
Para não darmos razão a Oscar Wilde, quando afirmou que “democracia significa simplesmente o desencanto do povo, pelo povo, para o povo”, temos de acreditar na utopia de Platão:
“A democracia é uma constituição agradável, anárquica e variada, distribuidora de igualdade indiferentemente a iguais e desiguais.”
Jornalista