Carta a um jovem advogado


Outros professam a religião (e eu também) do respeito pelos tribunais, mas – ao contrário de mim, que sou de ideias fixas – só a professam quando as decisões lhes agradam


Um colega mais novo perguntou- -me, entre perplexo e indignado: “Já viste o que fulano escreveu sobre o nosso caso x?” Nos dias anteriores, ele já tinha exclamado ou ficado mudo de espanto perante o que disse um, o que vociferou aquela e perorou esta ou o que ensinou sicrano. E eu, que tenho a (des)vantagem de ser mais velho do que ele, limitei-me a dizer-lhe: “Ó pá, não ligues.” Mas foi mais para o sossegar e tentar transmitir o que aprendi, que é a dar um grande desconto, ou mesmo uma olímpica ignorância, ao que dizem sobre os nossos casos, sobretudo num país onde dar opinião – ainda bem, viva a liberdade! – é quase um desporto nacional. Mas, na verdade, apetecia-me ter-lhe dito mais, e aqui deixo três apontamentos sobre alguns dos meus pensamentos, revividos nestes últimos dias a propósito do caso x, que provocou o falatório que indignou ou espantou o meu colega.

O primeiro é para celebrar todos quantos revelam, com assinalável prontidão e enérgico sentido de oportunidade, amizade e proximidade em relação ao êxito alcançado por outros, alguns ao ponto de fazer seu o que é alheio. E no mesmo apontamento vai um brinde de celebração a todos quantos, sendo advogados, não se coíbem de perorar sobre casos que não são seus, às vezes indo muito além do que devem e podem fazer – mas, enfim, cada qual sabe de si e as ações revelam quem as faz. E ainda antes de esgotar este copo, tchim-tchim também para os opinadores que leram de través ou que nem leram mas ouviram dizer. Bem hajam, que aqui no meu cantinho reservado de observador, mais do que indignação ou perplexidade, provocam-me alguns sorrisos, e ainda mais quando puxo pela memória – que é coisa, Deus meu, em que sou elefantino.

Os segundo e terceiro apontamentos são sobre os opinadores, frentistas cívicos, observadores ou amantes da res publica que prestam tributo às estações do ano, mas sem respeitar o ciclo da natureza, antes preferindo estações à la carte. Uns apreciam sobremaneira a separação de poderes, astro de uma primavera radiosa e de um verão reconfortante, mas só quando o clima parece estar a correr de feição para aquilo que julgam que está certo e para os caminhos que têm por bondosos. Se assim não é, então a separação de poderes, afinal, já não é bem o que é, e venta e borrasca. Outros professam a religião (e eu também) do respeito pelos tribunais, mas – ao contrário de mim, que sou de ideias fixas – só a professam quando as decisões lhes agradam. Se agradam, glória nas alturas. Se não, então a religião é falsa, quando não mesmo o ópio do povo, aquele povo que esses cata-ventos julgam representar, esquecendo que a separação de poderes e o respeito pelos tribunais não mudam com as estações do ano, e muito menos com os humores que esta ou aquela decisão causa. Deviam rever as suas crenças ou, pelo menos, pensar bem antes de, à boca cheia, revelarem que afinal têm falsos ídolos e que continuam a querer sacrificar meios aos fins que julgam – santa arrogância dos iluminados ou dos preconceituosos – os melhores do (seu) mundo.

 

Escreve quinzenalmente à sexta-feira