O perigo dos jornais não é escreverem, é calarem-se


Quase sempre as notícias sobre os grandes casos acabaram por se confirmar, mas sempre que surgem informações sobre uma nova investigação aparecem de imediato as teorias da conspiração a pôr em causa os interesses dos jornalistas e dos média que as escrevem. Porque não se dá o benefício da dúvida aos jornais na mesma proporção…


Todos os grandes casos têm começado com um culpado claro: a imprensa. Os jornais, que querem sangue para com isso vender. Os jornalistas vendidos que lançam boatos para favorecer A ou B.

A maioria desses casos, no entanto, chegam ao fim confirmando muito do que se escreveu e disse. Eu interrogo-me quase sempre: porque não se deu no início um benefício da dúvida aos meios de comunicação social proporcional à presunção de inocência que se invoca para pessoas que nesses casos são suspeitas dos mais graves crimes económicos? Que se critique a violação do segredo de justiça, claro, mas que se descredibilizem profissionais e instituições dizendo que se trata de falsidades escritas por vendidos não se pode aceitar (só se tal se provar no final).

Sempre que estão envolvidas diversas fações, os trabalhos jornalísticos são elogiados pelos que se querem aproveitar do mal alheio e atacados pelos visados e quem os apoia.

Quem não se lembra do caso Sócrates e das tantas e tantas vezes que a imprensa foi acusada de mentir, de expor a vida de um ex-primeiro-ministro sem motivo e de com isso querer apenas vender? Quantas e quantas vezes muitos dos que o apoiaram durante anos vieram a terreiro atacar a imprensa com os argumentos do visado, dizendo que os jornalistas estavam a cometer crimes e a servir a direita. Depois mantiveram que era a justiça que estava a cometer crimes e a servir a direita. Houve também, obviamente, quem se aproveitasse, porque dava jeito à sua fação.

Mas o certo é que é cada vez mais claro que os factos existiam mesmo. E, agora, até muitos dos que defendiam o ex-primeiro-ministro se insurgem contra o seu modo de vida – que até há alguns meses viam como normal.

É interessante perceber como em Portugal somos dados a teorias da conspiração em relação aos média. Tudo isto vem a propósito do que está a acontecer no mundo do futebol. Recordo-me das críticas à imprensa quando surgiram as primeiras notícias sobre o caso dos emails do Benfica – colando a “Sábado” ao FC Porto – e dos ataques a cada informação sobre inquéritos em curso a visar responsáveis do Sporting e do Porto.

A imprensa só era elogiada por aqueles a quem dava jeito determinada notícia. E, enquanto assim for, a sociedade não pode reclamar do jornalismo, porque cada um de nós vive inclinado, cego e sempre pronto para duvidar de tudo o que é tornado público e vai contra as nossas emoções ou paixões. Nós somos assim, temos sido assim. E só sendo assim é que se pode explicar que alguns tenham aplaudido a iniciativa de Bruno de Carvalho quando este pediu aos sportinguistas para só verem a Sporting TV, para ignorarem o jornalismo.

Neste momento, tal como noutros grandes casos, já não se põem em causa muitas informações que foram divulgadas na imprensa sobre o Sporting. Outras ainda levarão algum tempo a deixarem de ser consideradas produto de jornais vendidos – lembro-me daquilo que o “Sol” noticiou em dezembro sobre uma investigação a responsáveis do FC Porto e do Sporting por alegadas ameaças e pressões a árbitros de futebol – informação na altura confirmada pela Procuradoria-Geral da República, mas amplamente criticada. O mesmo em relação ao Benfica e às ligações às operações E-toupeira e Lex – investigação que está em curso e que levou inclusivamente a buscas à SAD do Benfica.

Não sou dos que acham que não há nada a mudar no jornalismo e na forma como é feito hoje – há, claro –, não sou dos que pensam que todos os jornalistas são sérios – não, não são. Mas o verdadeiro perigo dos jornais não é escreverem (expondo-se ao contraditório e arriscando que a verdade os desminta), é calarem-se, omitirem informações de interesse público.

 

Jornalista