Uma escola democrática é muito mais do que um modelo de gestão democrático. É uma decisão estratégica para a democratização da sociedade, um processo em que a educação joga um papel-chave enquanto instituição social. A existência de estruturas e poderes democráticos dentro da escola não substitui a democratização das políticas educativas no seu todo, incluindo currículo, programas, métodos, vias de ensino, avaliação, relações laborais e relações hierárquicas dentro do sistema educativo.
No entanto, a escola democrática não é possível sem a partilha de poder dentro do espaço da escola, ou seja, sem um modelo de gestão que acompanhe o objetivo social da educação. “Só o poder de decidir confere pleno sentido às práticas de governo democrático das escolas, rompendo com encenações participativas”, escreveu Licínio Lima.
A participação no exercício de tomada de decisões dentro da escola pressupõe que as suas estruturas de direção não se limitam a ser correias de transmissão do ministério. Noutras palavras, pressupõe autonomia, que não deve ser confundida com autossuficiência nem com isolamento. Entendida como exercício de cidadania, essa participação é fundamental para a educação cívica dos jovens.
É inútil chorar lágrimas de crocodilo sobre o “divórcio dos jovens com a política” enquanto vedamos o acesso à prática da democracia na única instituição em que todos passamos pelo menos 12 anos da nossa vida. Se, do primeiro ano ao 12.o, o espaço de decisão própria dos alunos é reduzido ao mínimo, o que lhes transmitimos não passam de eufemismos de liberdade e emancipação. Uma escola onde os jovens não têm uma palavra a dizer sobre a sua vida serve mais para alimentar praxes universitárias do que para educar cidadãos críticos e conscientes.
A democracia precisa de espaço para respirar. A introdução de lógicas gestionárias na administração dos serviços públicos, herança neoliberal que a austeridade não despreza, permitiu a circulação de valores e padrões do privado no sistema público. Conceitos como “liderança unipessoal”, “competição” e “concorrência” ou excessivas preocupações com “resultados”, “comparabilidade” e “avaliação externa e interna” estão mais adaptados ao léxico do mercado educacional e asfixiam a escola pública.
O alargamento da escolaridade obrigatória veio confrontar-se com estes novos modelos de “administração escolar”, dando muitas vezes origem a modelos híbridos, marcados pelas práticas de resistência ou de adesão de cada escola em relação “às regras” do sistema. A centralização do poder levou ao esvaziamento da participação, ao mesmo tempo que as políticas educativas se tornavam mais conservadoras.
Como resultado, em vez de caminhar para a igualdade e democratização da educação, temos hoje mecanismos democráticos mais frágeis e casuísticos que tornam a mínima prática democrática dentro da escola numa coisa facultativa ou num exercício de resistência – isto apesar de as escolas terem ao seu dispor mais instrumentos e potencialidades tecnológicas do que nunca.
Os desafios da democratização da educação e da escola pública têm muito mais a ver com a sociedade que queremos construir do que com regressos ao passado. Não sendo suficiente, é indispensável democratizar as estruturas e poderes dentro da escola. Mas não há modelos intemporais e estanques de gestão democrática, sob pena de não defendermos mais do que um slogan. Tendo esta ideia como ponto de partida, onde queremos chegar?
Deputada do Bloco de Esquerda