A última jornada


Não é sério ser candidato com uma linha e um programa e, depois, fazer diferente ou até o contrário. Não é legítimo fazer de conta que não há eleitores


Sobre qualidade da democracia, há que ver também o nível local. Se tudo estivesse bem, a esperança de regeneração seria forte. Infelizmente, o declínio já o contaminou. Há notícias frequentes disso, como Matosinhos no PS, ou Lisboa, recentemente, no PSD. No CDS, também: um caso em Sintra foi feito saltar há dias para a imprensa num enredo disciplinar.

Muitas vezes, a quebra do segredo de justiça não serve o interesse da acusação, mas o suspeito: tem interesse na quebra, para vitimização, ou perturbação do processo, ou outros efeitos que o favoreçam. A Operação Marquês é a maior montra de violações para todos os gostos: ao gosto da acusação, ao gosto do acusado, ou apenas ao gosto da imprensa. No caso de Sintra, as notícias publicadas e o timing são do interesse dos visados. Não conheço o processo, não sei o seu estado, mas conheço os factos.

Em 2013 houve grave erro em Sintra no espaço do centro-direita. O correto era apoiar Marco Almeida, bom número dois durante 12 anos e candidato natural a número um. Manifestei-o, então, fundado na experiência que tive ao liderar com Fernando Seara a coligação com que ganhámos Sintra ao PS em 2001. Fiz o que pude para evitar a fratura em 2013. Infelizmente, o PSD teimou e o CDS foi atrás. O resultado foi pior do que receara: PSD/CDS caíram de 45,3% (em 2009) para 13,8% (em 2013). O PS ganhou por pouco sobre Marco Almeida. A este pecado original somou–se outro, a seguir: em vez de PSD e CDS se concertarem na oposição, concertaram–se com o PS, que queria isolar o movimento de Marco Almeida. 

Chegados a 2017, o plenário de Sintra apoiou a proposta da concelhia de o CDS ir sozinho a votos. Esta não era a posição das direções distrital e nacional. Como grande concelho, Sintra faz parte dos municípios em que, ouvidos os órgãos locais, a decisão é nacional – creio ser assim em todos os partidos. A direção nacional, com apoio distrital, levou a sua avante: o CDS integraria ampla coligação com o PSD e o movimento de Marco Almeida, além de PPM e MPT, reagrupando o que se fraturara em 2013.

Aí, entro na história. A pedido da presidente do partido, ponderados vários ângulos e conjeturas, fica a hipótese de poder ser cabeça-de-lista à assembleia municipal, como em 2001. Não vi como recusar: a candidatura tinha o único quadro adequado, embora o desafio fosse difícil; e não podia virar a cara a um pedido feito para servir Sintra, os sintrenses e o partido, na linha da avaliação que eu sempre defendera. Assim se concretizou, depois de ampliar consensos.

Dir-se-á: mal foi a direção nacional e a distrital não seguirem a posição dos dirigentes concelhios, apoiada pelo plenário. É opinião defensável. Para isso, os militantes, convictos, insistiriam tenazmente. E os dois líderes concelhios, também dirigentes nacionais, ter-se-iam batido assertivamente nos órgãos de decisão política, pela posição do CDS sozinho, explicando-a e tentando obter vencimento. Poderia ter acontecido. Mas nada disso se passou. Na comissão política e no conselho nacional, nenhum dos dois objetou à linha seguida. Em 2013, eu, sem ligação direta, manifestei no conselho nacional a crítica ao erro cometido e votei contra.

Os factos evoluíram como se a coligação estivesse assimilada, ainda que com alguma contrariedade. O líder distrital e eu próprio empenhámo-nos genuinamente em reuniões contínuas, praticamente semanais, com militantes e estruturas, para sanar diferendos que tivessem sobrado e construir a candidatura em concertação aberta. A presidente do partido deu explicações em debate franco com os militantes. Não houve intimidação, nem coação – pelo contrário. Realizaram-se várias reuniões gerais; todas as candidaturas às freguesias integraram os indicados pelos núcleos; as listas para câmara e assembleia foram concertadas.

A coligação era a melhor escolha. No caso do CDS, a querela era estranha, porque todos os militantes diziam que, em 2013, quiseram apoiar Marco Almeida e tinha sido a direção nacional a impedi-lo. Era difícil entender porque é que, em 2017, querendo a direção apoiar Marco Almeida e corrigir o erro, era a nível local que alguns, afinal, não queriam.

O trabalho intenso feito no CDS, com franqueza e boa-fé, gerou expetativas tranquilas. Não era assim pelo lado do PSD, onde as desavenças de 2013 seguiam expostas e a formação das listas foi dura; mas, pelo CDS, havia a esperança de todos estarem empenhados em conquistar bons resultados. Nada disso! Chegada a campanha, houve faltas, incluindo de alguns candidatos; e, facto inédito, um grupo engendrou um instrumento contra a coligação, intitulado de DCS: alvejou especialmente Assunção Cristas, Marco Almeida e eu próprio, apoiando o “democrata cristão” Basílio Horta, candidato do PS. Eram mensagens, ora no Facebook, ora enviadas pessoalmente por email para militantes e eleitores, em vários dias. O último dia desta original campanha foi sábado, véspera das eleições, período de reflexão, em violação da lei eleitoral.

Os resultados não foram os desejados, mas foram bons, atentas as circunstâncias e o histórico. Na perspetiva do movimento de Marco Almeida, subiu de 25% para 29%, não conseguindo todos os 13% de PSD/CDS. Na perspetiva PSD/CDS, subiram de 13% para 29%, não conseguindo todos os 25% de Marco Almeida. A colagem sempre teria problemas; e a verdade anda aqui pelo meio. Feitas as contas, o CDS elegeu 19 autarcas onde tinha 11; e, na assembleia municipal, minha direta responsabilidade, o CDS passou de 1 para 5. Creio que o CDS nunca teve 5 membros na assembleia municipal, mesmo nos melhores tempos.

Quando digo 19 autarcas, já falto à verdade: caíram logo para 18. Em Queluz/Belas, o CDS elegeu duas autarcas. Mas, sob impulso do responsável local e das eleitas, foi feito um acordo secreto com PS e BE: o CDS apoia a junta PS/BE; uma das eleitas CDS separou-se da lista e tomou posse sozinha; e outra desfiliou-se para tomar posse como “independente” e ser eleita presidente da assembleia com apoio PS/BE. No dia em que, após os fogos de 15 de outubro, o CDS apresentava na Assembleia da República a moção de censura contra o governo e a geringonça, celebrou-se em Queluz/Belas a fundação da geringonça saloia: PS/BE/CDS.

Estive num último plenário concelhio de balanço. Foi muito vivo. O único militante que dera a cara pelos DCS ainda foi saudado pela coragem, enquanto outros se escondem. Mas a coragem solitária faleceu de morte súbita poucos dias após as eleições concelhias, onde ainda abraçou festivamente os companheiros: desfiliou-se do CDS que tanto dizia defender. Felizmente, não era candidato, senão ter–se-ia perdido mais um eleito. 

Não é sério ser candidato com uma linha e um programa e, depois, fazer diferente ou até o contrário. Não é legítimo fazer de conta que não há eleitores. O problema da política é ser vista como um circo: os atores atuam para receber do público reações de claque e perdem a noção de assumirem um mandato. Parece que se acham donos dos lugares. Não é assim: são representantes. A democracia não é tanto para militantes; é para os eleitores. O maior crédito dos militantes é serem os intérpretes mais próximos dos eleitores, não de interesses próprios.

A fadiga dos portugueses com a decadência manifesta-se na abstenção. Nas eleições locais é muito alta. Em Sintra, um desastre: em 2013 chegara a 60%! Agora, em 2017, foi de 58%. No meu mandato anterior em Sintra, em 2001/05, começámos com uma abstenção de 51% e acabámos com uma abstenção de 49%. As coisas pioraram agora. Não é por causa destas coisas no CDS, que levaram a afastar-me por falta de condições. É por todas elas. Há muitas no PSD e no PS. Como é que sei? Porque eleitores me contam. E é muito natural que, dos que sabem, muitos não queiram votar. Como é que se sente um eleitor de Queluz/Belas, votante na coligação “Juntos pelos Sintrenses” (PSD/CDS/MPT/PPM), ao saber da geringonça saloia do CDS com PS e Bloco de Esquerda? E é só um exemplo suave. 

Escreve à sexta-feira Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”


A última jornada


Não é sério ser candidato com uma linha e um programa e, depois, fazer diferente ou até o contrário. Não é legítimo fazer de conta que não há eleitores


Sobre qualidade da democracia, há que ver também o nível local. Se tudo estivesse bem, a esperança de regeneração seria forte. Infelizmente, o declínio já o contaminou. Há notícias frequentes disso, como Matosinhos no PS, ou Lisboa, recentemente, no PSD. No CDS, também: um caso em Sintra foi feito saltar há dias para a imprensa num enredo disciplinar.

Muitas vezes, a quebra do segredo de justiça não serve o interesse da acusação, mas o suspeito: tem interesse na quebra, para vitimização, ou perturbação do processo, ou outros efeitos que o favoreçam. A Operação Marquês é a maior montra de violações para todos os gostos: ao gosto da acusação, ao gosto do acusado, ou apenas ao gosto da imprensa. No caso de Sintra, as notícias publicadas e o timing são do interesse dos visados. Não conheço o processo, não sei o seu estado, mas conheço os factos.

Em 2013 houve grave erro em Sintra no espaço do centro-direita. O correto era apoiar Marco Almeida, bom número dois durante 12 anos e candidato natural a número um. Manifestei-o, então, fundado na experiência que tive ao liderar com Fernando Seara a coligação com que ganhámos Sintra ao PS em 2001. Fiz o que pude para evitar a fratura em 2013. Infelizmente, o PSD teimou e o CDS foi atrás. O resultado foi pior do que receara: PSD/CDS caíram de 45,3% (em 2009) para 13,8% (em 2013). O PS ganhou por pouco sobre Marco Almeida. A este pecado original somou–se outro, a seguir: em vez de PSD e CDS se concertarem na oposição, concertaram–se com o PS, que queria isolar o movimento de Marco Almeida. 

Chegados a 2017, o plenário de Sintra apoiou a proposta da concelhia de o CDS ir sozinho a votos. Esta não era a posição das direções distrital e nacional. Como grande concelho, Sintra faz parte dos municípios em que, ouvidos os órgãos locais, a decisão é nacional – creio ser assim em todos os partidos. A direção nacional, com apoio distrital, levou a sua avante: o CDS integraria ampla coligação com o PSD e o movimento de Marco Almeida, além de PPM e MPT, reagrupando o que se fraturara em 2013.

Aí, entro na história. A pedido da presidente do partido, ponderados vários ângulos e conjeturas, fica a hipótese de poder ser cabeça-de-lista à assembleia municipal, como em 2001. Não vi como recusar: a candidatura tinha o único quadro adequado, embora o desafio fosse difícil; e não podia virar a cara a um pedido feito para servir Sintra, os sintrenses e o partido, na linha da avaliação que eu sempre defendera. Assim se concretizou, depois de ampliar consensos.

Dir-se-á: mal foi a direção nacional e a distrital não seguirem a posição dos dirigentes concelhios, apoiada pelo plenário. É opinião defensável. Para isso, os militantes, convictos, insistiriam tenazmente. E os dois líderes concelhios, também dirigentes nacionais, ter-se-iam batido assertivamente nos órgãos de decisão política, pela posição do CDS sozinho, explicando-a e tentando obter vencimento. Poderia ter acontecido. Mas nada disso se passou. Na comissão política e no conselho nacional, nenhum dos dois objetou à linha seguida. Em 2013, eu, sem ligação direta, manifestei no conselho nacional a crítica ao erro cometido e votei contra.

Os factos evoluíram como se a coligação estivesse assimilada, ainda que com alguma contrariedade. O líder distrital e eu próprio empenhámo-nos genuinamente em reuniões contínuas, praticamente semanais, com militantes e estruturas, para sanar diferendos que tivessem sobrado e construir a candidatura em concertação aberta. A presidente do partido deu explicações em debate franco com os militantes. Não houve intimidação, nem coação – pelo contrário. Realizaram-se várias reuniões gerais; todas as candidaturas às freguesias integraram os indicados pelos núcleos; as listas para câmara e assembleia foram concertadas.

A coligação era a melhor escolha. No caso do CDS, a querela era estranha, porque todos os militantes diziam que, em 2013, quiseram apoiar Marco Almeida e tinha sido a direção nacional a impedi-lo. Era difícil entender porque é que, em 2017, querendo a direção apoiar Marco Almeida e corrigir o erro, era a nível local que alguns, afinal, não queriam.

O trabalho intenso feito no CDS, com franqueza e boa-fé, gerou expetativas tranquilas. Não era assim pelo lado do PSD, onde as desavenças de 2013 seguiam expostas e a formação das listas foi dura; mas, pelo CDS, havia a esperança de todos estarem empenhados em conquistar bons resultados. Nada disso! Chegada a campanha, houve faltas, incluindo de alguns candidatos; e, facto inédito, um grupo engendrou um instrumento contra a coligação, intitulado de DCS: alvejou especialmente Assunção Cristas, Marco Almeida e eu próprio, apoiando o “democrata cristão” Basílio Horta, candidato do PS. Eram mensagens, ora no Facebook, ora enviadas pessoalmente por email para militantes e eleitores, em vários dias. O último dia desta original campanha foi sábado, véspera das eleições, período de reflexão, em violação da lei eleitoral.

Os resultados não foram os desejados, mas foram bons, atentas as circunstâncias e o histórico. Na perspetiva do movimento de Marco Almeida, subiu de 25% para 29%, não conseguindo todos os 13% de PSD/CDS. Na perspetiva PSD/CDS, subiram de 13% para 29%, não conseguindo todos os 25% de Marco Almeida. A colagem sempre teria problemas; e a verdade anda aqui pelo meio. Feitas as contas, o CDS elegeu 19 autarcas onde tinha 11; e, na assembleia municipal, minha direta responsabilidade, o CDS passou de 1 para 5. Creio que o CDS nunca teve 5 membros na assembleia municipal, mesmo nos melhores tempos.

Quando digo 19 autarcas, já falto à verdade: caíram logo para 18. Em Queluz/Belas, o CDS elegeu duas autarcas. Mas, sob impulso do responsável local e das eleitas, foi feito um acordo secreto com PS e BE: o CDS apoia a junta PS/BE; uma das eleitas CDS separou-se da lista e tomou posse sozinha; e outra desfiliou-se para tomar posse como “independente” e ser eleita presidente da assembleia com apoio PS/BE. No dia em que, após os fogos de 15 de outubro, o CDS apresentava na Assembleia da República a moção de censura contra o governo e a geringonça, celebrou-se em Queluz/Belas a fundação da geringonça saloia: PS/BE/CDS.

Estive num último plenário concelhio de balanço. Foi muito vivo. O único militante que dera a cara pelos DCS ainda foi saudado pela coragem, enquanto outros se escondem. Mas a coragem solitária faleceu de morte súbita poucos dias após as eleições concelhias, onde ainda abraçou festivamente os companheiros: desfiliou-se do CDS que tanto dizia defender. Felizmente, não era candidato, senão ter–se-ia perdido mais um eleito. 

Não é sério ser candidato com uma linha e um programa e, depois, fazer diferente ou até o contrário. Não é legítimo fazer de conta que não há eleitores. O problema da política é ser vista como um circo: os atores atuam para receber do público reações de claque e perdem a noção de assumirem um mandato. Parece que se acham donos dos lugares. Não é assim: são representantes. A democracia não é tanto para militantes; é para os eleitores. O maior crédito dos militantes é serem os intérpretes mais próximos dos eleitores, não de interesses próprios.

A fadiga dos portugueses com a decadência manifesta-se na abstenção. Nas eleições locais é muito alta. Em Sintra, um desastre: em 2013 chegara a 60%! Agora, em 2017, foi de 58%. No meu mandato anterior em Sintra, em 2001/05, começámos com uma abstenção de 51% e acabámos com uma abstenção de 49%. As coisas pioraram agora. Não é por causa destas coisas no CDS, que levaram a afastar-me por falta de condições. É por todas elas. Há muitas no PSD e no PS. Como é que sei? Porque eleitores me contam. E é muito natural que, dos que sabem, muitos não queiram votar. Como é que se sente um eleitor de Queluz/Belas, votante na coligação “Juntos pelos Sintrenses” (PSD/CDS/MPT/PPM), ao saber da geringonça saloia do CDS com PS e Bloco de Esquerda? E é só um exemplo suave. 

Escreve à sexta-feira Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”