À espera de Godot?


O Partido Socialista Europeu está em colapso e vai ser preciso mais do que uma retórica de preocupações sociais para resgatar a social-democracia


Os recentes estudos de opinião apontam para uma quebra do Partido Socialista Europeu (PSE) nas próximas eleições europeias e indiciam até o risco de os socialistas não chegarem sequer a ser o terceiro grupo político mais votado. Este é o debate sobre o definhamento e as ressurreições da social-democracia, um debate europeu por natureza. Bem a propósito, Pedro Nuno Santos (PNS) escreveu um artigo sobre os “desafios da Social-Democracia”, que identificou com a defesa do papel do Estado na redistribuição de rendimento e na proteção do trabalho.

Argumenta PNS, em tom de desafio ao próprio partido, que a atual experiência portuguesa não pode ficar-se por um curto parênteses na história do PS. E que história tem sido essa. Desde que Mário Soares meteu o socialismo na gaveta, passando pela viragem de Tony Blair ao neoliberalismo, até à submissão de Hollande à austeridade de Merkel. Ao longo das últimas décadas, o caminho da social-democracia tem sido sempre percorrido pela faixa da direita.

O parênteses é tão curto que ficam de fora todos os governos do PSE que, em Portugal e na Europa, durante décadas encabeçaram o movimento privatizador dos setores públicos e participaram na porta giratória entre negócios e cargos políticos. O programa eleitoral com que o PS concorreu às eleições legislativas de 2015 não é contrário a esta análise, antes a confirma. Foi o programa mais liberal que os socialistas portugueses alguma vez apresentaram.

É por isso que este não é um debate sobre os resultados positivos da solução portuguesa que, como se sabe, resulta de condições excepcionais. Se queremos discutir o país, só o podemos fazer olhando além do desfalecimento da social-democracia. Porque, se o tema é mesmo a social-democracia, o debate correto é sobre as razões profundas das suas limitações. Esses limites são a razão do colapso deste campo político, fundamentais e estratégicos nas suas escolhas, impossíveis de ultrapassar com apelos sobre preocupações sociais.

Aliás, uma lição retirada da história recente da esquerda europeia é a dos partidos que fizeram do seu programa a espera pela viragem à esquerda da social-democracia e acabaram por tornar-se irrelevantes ou foram absorvidos para a gestão da austeridade. Claro que experiência não é determinismo, mas revela que não é tudo uma questão de “boa vontade”. Ao contrário do que afirma PNS, o PS nunca esteve “obrigado” a governar com a direita, fê-lo porque quis governar como a direita. A sua conceção histórica de alternância tem sido a da gestão de turno das mesmas políticas e nunca a de contraponto de visões de sociedade.

Sim, foram os tratados e as regras europeias, às quais o PS não só não quer escapar como escolheu liderar através do Eurogrupo. Claro, é a pressão alemã, a recusa de reestruturar a dívida pública, a obsessão com o défice e a submissão aos mercados financeiros. Mas é mais do que isso.

A social-democracia, rendida política e ideologicamente à economia de mercado, não apresenta alternativa ao modelo conservador da austeridade. A fidelidade de alguns protagonistas ao modelo tradicional de redistribuição da riqueza para corrigir as desigualdades sociais esbarra na desregulamentação económica e financeira que eles próprios promoveram.

Num mundo globalizado de offshores e patrões internacionalizados, as ameaças de deslocalização da produção e de fuga de capitais são sempre quem ganha o braço-de-ferro entre privado e público. A política de redistribuição da social- -democracia assenta na capacidade do Estado de recolher impostos suficientes para financiar serviços públicos universais. Mas como praticar uma política redistributiva eficaz quando as grandes empresas fogem para a Holanda em busca de borlas fiscais?

Até agora, a resposta da social-democracia a este dilema tem passado por pouco mais do que embustes, da flexissegurança aos padrões sociais prometidos pela estratégia de Lisboa. Mas, quando foram confrontados com a crise dos mercados, esses mesmos governos acabaram sempre por hipotecar as contas públicas e ceder na legislação laboral.

Estes desafios agora lançados ao PS para resgatar a social-democracia não respondem à pergunta principal: como se protege o Estado social do saque permanente dos mercados financeiros numa economia de casino global. A resposta está na robustez do setor público, e o contraste pode ser feito com Jeremy Corbyn, que não tem saudades das regras europeias e dá sinais de querer um setor público significativo. Talvez por isso o Partido Trabalhista esteja em contramão também no apoio eleitoral.

Só o controlo público dos bens e setores estratégicos permite ao Estado intervir na economia e garantir serviços públicos fortes. Porque territorializa uma boa parte do investimento e do capital que as privatizações ofereceram aos mercados. Porque garante que empresas importantes não são desmanteladas, como aconteceu com a PT, nem saqueadas, como está a acontecer com os CTT. Porque dá ao Estado poder para impor outros fatores de competitividade que não a desvalorização salarial e a competição fiscal. E porque o setor público não foge para a Holanda para não pagar impostos.

A questão não é menor. A relação entre a degradação dos direitos sociais e o crescimento da extrema-direita está identificada. A incapacidade do centrão para lhe dar combate, também. A escolha entre a natureza pública ou privada dos setores estratégicos é determinante para a defesa da democracia.

Este é um desafio que a social-democracia não desconhece, apenas escolheu ignorar. Não sabemos se será sempre assim, mas uma coisa é certa. No vazio estratégico do centrismo lê-se o colapso da social-democracia europeia. Ideológico, porque abdicou de discutir o capitalismo. Político, porque aderiu ao programa económico e social que escolheu a desvalorização do trabalho e a desregulação como fator de competitividade na globalização financeira. O Partido Socialista Europeu está em colapso e vai ser preciso mais do que uma retórica de preocupações sociais para resgatar a social-democracia.

 

Deputada do Bloco de Esquerda