Um partido que se baseia numa mentira

Um partido que se baseia numa mentira


Nem os principais fundadores, nem os primeiros dirigentes do PPD-PSD tinham qualquer tradição histórica e política que pudesse ser associada, ideologicamente, à social-democracia


Quem tenha um conhecimento básico, histórico e político, sobre a origem e o significado da social-democracia, ficará certamente escandalizado ao ouvir os dirigentes de um partido político que se diz social-democrata (PSD neste caso) a proclamar perante os seus militantes reunidos em congresso, que agora vai ser: “tudo e todos contra a esquerda e nada nem ninguém com a esquerda”.

Claro que o partido político em questão, o PPD-PSD, se baseia, desde a sua origem, numa mentira pegada. Nem os seus principais fundadores, nem os seus primeiros dirigentes, nem os seus militantes iniciais tinham qualquer tradição histórica e política que pudesse ser associada, ideologicamente, à social-democracia. E, ainda menos, à longa resistência contra a ditadura fascista de Oliveira Salazar e Marcelo Caetano (1929-1974).

Exactamente por isso, o partido começou por se chamar Partido Popular Democrático (PPD), bem à imagem, por um lado, do seu principal fundador e primeiro presidente, Francisco Sá Carneiro (Lumbrales), e, por outro lado, indo buscar o essencial da sua militância ao partido único do consulado de Marcelo Caetano, a Acção Nacional Popular, novo rosto da velha União Nacional, fascista, criada por António de Oliveira Salazar.

A designação do partido como PSD (Partido Social-Democrata), sem abdicar da designação original (PPD), foi uma jogada de puro oportunismo, por parte de Sá Carneiro, com o desejo de conseguir ser admitido, tal como já fora o PS, na Internacional Socialista (IS), que reunia os partidos políticos genuinamente social-democratas, trabalhistas e socialistas do mundo inteiro. O que não sucedeu, obviamente, tendo em conta a brevíssima história do PPD.

O que, hoje, também impressiona é ouvir tratar a maioria política que apoia o actual Governo pela estúpida e malcriada designação de “geringonça”, ainda por cima considerada, em clara derrapagem verbal, como um “inimigo” e não propriamente como um “adversário” político. O reacionarismo larvar deste partido de direita vem sempre ao de cima nos momentos mais críticos.

Um dos aspectos mais curiosos e caricatos do discurso recorrente dos sucessivos dirigentes do PPD-PSD – partido que se baseia, repito, numa mentira pegada desde a sua origem – é a constante reclamação, por esses dirigentes, das chamadas “reformas estruturais”, mesmo depois de terem estado 10 anos consecutivos no poder com Cavaco Silva (1985-1995), e mais quase cinco anos consecutivos com Pedro Passos Coelho (2011-2015). Este último bateu, aliás, um verdadeiro recorde de promessas políticas mentirosas durante a campanha eleitoral que o levou ao poder em 2010-2011.

É significativo salientar que alguns dos “erros mais graves” apontados ao longo consulado de Cavaco Silva (*) foram a incapacidade de usar eficazmente os fundos de formação profissional (oriundos da CEE); de levar a cabo uma reforma do sistema de ensino que privilegiasse as necessidades da sociedade e da economia; de proceder a um correcto reordenamento do território; de encetar a reforma do processo orçamental que permitisse a descentralização racional da gestão pública; e de criar uma administração pública e parceiros sociais preparados para encaminhar o país no sentido que a integração europeia e mundial lhe impunham. E estes são só alguns exemplos.

Se Cavaco às reformas disse quase nada, ou mesmo nada, Passos Coelho esteve bem longe de fazer melhor. Deve mesmo dizer-se que fez bastante pior, a partir da sua “crença natural” de que era indispensável, primeiro que tudo, “empobrecer o País” antes de pensar em fazê-lo crescer de novo. E as suas “reformas” foram perfeitamente condizentes: cortes brutais nos salários, nas pensões, nas obras públicas, no investimento público, na Escola pública, no Serviço Nacional de Saúde, na Segurança Social e na administração pública em geral, a par de uma autêntica orgia de privatizações, para libertar o Estado português do “peso” das empresas públicas, entregando algumas das mais importantes, de mão beijada, a um Estado que se autoproclama comunista e é governado por um partido único: a República Popular da China.

Será isto o espelho de um partido que se diz social-democrata? Ou será, antes, o verdadeiro retrato de um partido populista e demagógico, neoconservador e neoliberal, cujo objectivo principal – eu diria mesmo: único – é chegar ao poder para privilegiar certos interesses e clientelas, combatendo tudo o que lhe cheire a esquerda e à defesa das classes sociais mais atingidas por sucessivas crises e mais desfavorecidas pelo capitalismo selvagem e de compinchas.

(*) «Cavaco Silva, a Ciência Económica e a Política, uma análise crítica», pela economista Teodora Cardoso (Dezembro de 2005)

Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990