Deixei o telemóvel na mala – nunca tocou – e estivemos algumas horas a falar. Éramos quatro e ninguém tinha o telemóvel à mão. Quando, por volta das duas da manhã, regressei a casa e finalmente olhei para o telemóvel, Facebook, etc., vi que tinha duas mensagens absolutamente não urgentes. Tinham-se passado seis deliciosas horas analógicas, despojadas da loucura digital que faz com que em muitos lugares de convívio várias pessoas estejam com o nariz enfiado nos seus próprios chats do Facebook, WhatsApp, etc.
Claro que o facto de sermos todos maiores de 40 – e pertencermos à última geração que viveu a vida analógica – contribuiu para a tranquilidade da noite. Nas últimas semanas, vários co-inventores do Facebook vieram denunciar que tinham criado um monstro viciante.
É evidente que o Facebook, e todas as redes sociais, fizeram muito pela democracia – hoje todos, mesmo todos, podem ter voz, de uma forma fácil e barata. Mas o Facebook é feito à imagem e semelhança dos seres humanos, conseguindo milagrosamente exponenciar o pior de cada um – que a velha vida analógica, com os seus rituais, pelo menos fora da taberna, conseguia conter.
Se a procura da validação social é um sentimento humano, a cultura do like veio torná-la obsessiva, ou ainda mais obsessiva, consoante o caso.
Se a inveja ou a vaidade são humanos sentimentos, o Facebook veio aumentar o peso dos “monstros”. Já não vale a pena falar dos prejuízos que traz à vida sentimental um like insistente e alegadamente suspeito. Ser saudosista é sempre uma coisa malvista mas, no tempo em que éramos analógicos, talvez a nossa vida nos trouxesse mais surpresas. Fazíamos coisas diferentes de acariciar o telemóvel em busca da última e genericamente inútil novidade. Falávamos cara a cara. Não ficávamos ansiosos quando alguém importante estava “desligado”.
É muito difícil explicar aos nascidos digitais a vida como ela era. Mas era boa e tinha vantagens relativas.