O biomimetismo, inovação inspirada na natureza

O biomimetismo, inovação inspirada na natureza


A importação de ideias da biologia pode contribuir para o desenvolvimento de novos produtos, processos e soluções sustentáveis nas mais diversas áreas


O biomimetismo é uma disciplina relativamente recente que procura resolver problemas humanos através da emulação consciente das soluções e estratégias geradas pela biologia. Os inúmeros exemplos desta “inovação inspirada na natureza” de que dispomos atualmente indicam que a importação de ideias e conceitos da biologia pode contribuir de facto para o desenvolvimento de novos produtos, processos e soluções sustentáveis nas mais diversas áreas. 

Problemas como a produção, armazenamento e utilização de recursos e de energia, a comunicação, o transporte e a gestão de espaços são comuns a todos os seres vivos. Para fazer face a estes desafios, a natureza selecionou, ao longo de milhares de milhões de anos, soluções extremamente eficazes e sustentáveis. Parece, por isso, fazer sentido pesquisar a biblioteca de soluções naturais em busca de inspiração para a idealização de novos produtos e processos e para a resolução de problemas concretos. 

A maioria das soluções biológicas – sejam materiais, estruturas, mecanismos, funções ou sistemas – apresentam características imbatíveis em termos dos recursos usados, impacto gerado e performance. Por exemplo, a maioria das estruturas naturais são produzidas a partir de materiais simples, inócuos e recicláveis, sintetizados por uma (bio)química de base aquosa e organizados em estruturas hierarquizadas com recurso a estratégias de automontagem e auto–organização. As estruturas e formas naturais daqui resultantes estão, por norma, perfeitamente adaptadas à função específica para a qual foram desenhadas. O modo como a natureza usa a energia solar, captando-a de forma eficiente e minimizando os desperdícios, é também invejável. E a extraordinária diversidade de soluções, a estreita interdependência entre organismos, o modo como estão adaptados ao local onde residem e a sua capacidade de autorregulação e resiliência são também características notórias que merecem ser analisadas e, eventualmente, imitadas.

A transferência de um conceito ou estratégia observável na natureza para um produto ou processo não é trivial. Numa primeira fase é preciso analisar e estudar de forma cuidada o modelo natural. Depois é necessário um certo grau de criatividade, interpretação e abstração, de modo a identificar os princípios e mecanismos subjacentes. Só então é possível utilizar essa informação na solução de um problema específico (tecnológico ou não) ou na criação de algo novo. Em muitos casos, o resultado final pode estar bastante afastado do modelo biológico inspirador. O processo de procura nos modelos naturais de uma solução para um problema concreto não é fácil, já que muita da informação biológica disponível é altamente especializada e se encontra dispersa por inúmeras fontes.

Existem várias aplicações inspiradas na natureza em desenvolvimento ou em fase de comercialização que validam a abordagem biomimética. A título de exemplo, a imitação das estratégias de design comuns aos materiais naturais (p. ex., estrutura hierárquica e natureza compósita) tem sido ativamente praticada por cientistas e engenheiros. O estudo e a emulação de modelos biológicos como a pele do tubarão, as folhas do lótus, as patas das osgas, as asas de borboletas, cigarras e corujas e os olhos de traças e camarões têm permitido dotar materiais artificiais (tintas, revestimentos e filmes, a cimentos, vidros e cerâmicas) de características óticas, antimicrobianas, antiadesão, antinevoeiro, anticongelamento e de autorregeneração inovadoras. Para além destes, muitos outros exemplos poderiam ser destacados nos quais a imitação de formas, processos ou sistemas biológicos se traduziu em inovações tecnológicas e não tecnológicas.

A prática do biomimetismo permite a designers, arquitetos, engenheiros e gestores alargar o espaço de soluções de que dispõem e gerar ideias pré-testadas que são potencialmente mais elegantes, eficientes e sustentáveis. Com esta abordagem, os seres vivos passam a ser olhados não apenas como recursos naturais ou como entidades que merecem ser respeitadas pelo simples facto de existirem, mas também como uma fonte importante de informações e soluções valiosas que urge estudar e preservar.

 

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