CTT entre a ruína e o conforto de Pires de Lima


Já toda a gente percebeu que há uma razão para os correios serem públicos na maioria dos países europeus e que nunca deviam ter sido privatizados. Mas é melhor começar a fazer alguma coisa, que só o arrependimento nem mata nem faz nada


Depois da casa roubada, nem trancas à porta nem vergonha na cara. Tem sido a história das grandes privatizações neste país, cujo balanço não raras vezes ruinoso nunca é suficiente para impedir a seguinte, nem por sensatez nem por vergonha. Aliás, faltam as duas ao PSD e ao CDS que, sendo responsáveis por alguns dos negócios mais lesivos para o Estado, agora sacodem a água do capote e pedem a outros as responsabilidades que começaram por ser suas.

É o caso dos CTT – Correios de Portugal, uma privatização prevista no memorando da troika e concretizada pelo governo de Passos Coelho com a dispersão em bolsa do capital da empresa. Três anos depois, os CTT são uma caricatura de serviço postal e a única carta que chega a horas é a que leva os cheques com a choruda distribuição de lucros aos acionistas.

O PSD bem pode tentar esconder-se atrás de indignados pedidos de esclarecimentos sobre a tragédia em que se transformou a privatização dos CTT. E pode até entrar na lenga-lenga sobre quem nasceu primeiro: a troika ou a vontade privatizadora do PSD. A verdade é que em setembro de 2014, o ex-ministro da economia do CDS, Pires de Lima, aparecia sorridente na fotografia que dava conta da última fase de privatização dos CTT – Correios de Portugal. Ao seu lado surgiam dois dos beneficiários do negócio com cara de quem acabou de ganhar a lotaria, eles lá saberiam.

Na altura, além de glorificar o “enorme êxito”, Pires de Lima elogiava os “bons investidores” que considerava serem “um motivo de conforto”. Pires de Lima é que sabe quem lhe aconchega o espírito, mesmo que sejam alguns velhos conhecidos do processo de “ajustamento” como a Goldman Sachs e o Deutsche Bank, a lucrar com a nossa desgraça (descaradamente) desde 2011.

Mesmo que ignoremos a pouca vergonha de instituições financeiras lucrarem com empresas que obrigaram a privatizar, é impossível aceitar o que aconteceu depois. Apesar de alegarem a existência de uma crise para justificar o encerramento de mais de 131 estações e a redução de mais de 1100 trabalhadores, os acionistas aquinhoaram entre si 90% dos lucros da empresa.

Logo em 2013, talvez para comemorar o negócio, os acionistas distribuíram entre si mais dividendos do que os próprios lucros de 2012. E voltaram a fazê-lo em 2016. Pilhagem, assalto, rapinagem, gamanço, surripiagem, ladroagem… os sinónimos são muitos mas o significado é só um: estamos a ser roubados.

Não surpreende ninguém que os CTT privados estejam em sistemática violação das Bases de Concessão do Serviço Postal Universal, porque não era essa a atividade que os acionistas procuravam quando compraram a empresa. Também aí PSD e CDS fizeram o pleno e ofereceram como bónus do negócio uma licença bancária e o exclusivo da venda dos certificados de aforro.

Os acionistas aproveitaram a privatização de um serviço público que é um monopólio para lucrar também com um banco comercial com uma rede de balcões imbatível no território nacional. Entretanto, nas zonas rurais, o carteiro passa uma vez se for uma boa semana.

Já sabemos que o novo plano de reestruturação dos CTT prevê o encerramento de mais 22 lojas e o despedimento de 800 trabalhadores, ou seja, continuar a rebentar com a empresa. Há duas opções em cima da mesa, esperar para ver a quantos milhões é que isso vale aos bolsos dos acionistas ou resgatar para o setor público o que nunca devia ter sido privado. Já toda a gente percebeu que há uma razão para os correios serem públicos na maioria dos países europeus e que nunca deviam ter sido privatizados. Mas é melhor começar a fazer alguma coisa, que só o arrependimento nem mata nem faz nada.

Deputada do Bloco de Esquerda


CTT entre a ruína e o conforto de Pires de Lima


Já toda a gente percebeu que há uma razão para os correios serem públicos na maioria dos países europeus e que nunca deviam ter sido privatizados. Mas é melhor começar a fazer alguma coisa, que só o arrependimento nem mata nem faz nada


Depois da casa roubada, nem trancas à porta nem vergonha na cara. Tem sido a história das grandes privatizações neste país, cujo balanço não raras vezes ruinoso nunca é suficiente para impedir a seguinte, nem por sensatez nem por vergonha. Aliás, faltam as duas ao PSD e ao CDS que, sendo responsáveis por alguns dos negócios mais lesivos para o Estado, agora sacodem a água do capote e pedem a outros as responsabilidades que começaram por ser suas.

É o caso dos CTT – Correios de Portugal, uma privatização prevista no memorando da troika e concretizada pelo governo de Passos Coelho com a dispersão em bolsa do capital da empresa. Três anos depois, os CTT são uma caricatura de serviço postal e a única carta que chega a horas é a que leva os cheques com a choruda distribuição de lucros aos acionistas.

O PSD bem pode tentar esconder-se atrás de indignados pedidos de esclarecimentos sobre a tragédia em que se transformou a privatização dos CTT. E pode até entrar na lenga-lenga sobre quem nasceu primeiro: a troika ou a vontade privatizadora do PSD. A verdade é que em setembro de 2014, o ex-ministro da economia do CDS, Pires de Lima, aparecia sorridente na fotografia que dava conta da última fase de privatização dos CTT – Correios de Portugal. Ao seu lado surgiam dois dos beneficiários do negócio com cara de quem acabou de ganhar a lotaria, eles lá saberiam.

Na altura, além de glorificar o “enorme êxito”, Pires de Lima elogiava os “bons investidores” que considerava serem “um motivo de conforto”. Pires de Lima é que sabe quem lhe aconchega o espírito, mesmo que sejam alguns velhos conhecidos do processo de “ajustamento” como a Goldman Sachs e o Deutsche Bank, a lucrar com a nossa desgraça (descaradamente) desde 2011.

Mesmo que ignoremos a pouca vergonha de instituições financeiras lucrarem com empresas que obrigaram a privatizar, é impossível aceitar o que aconteceu depois. Apesar de alegarem a existência de uma crise para justificar o encerramento de mais de 131 estações e a redução de mais de 1100 trabalhadores, os acionistas aquinhoaram entre si 90% dos lucros da empresa.

Logo em 2013, talvez para comemorar o negócio, os acionistas distribuíram entre si mais dividendos do que os próprios lucros de 2012. E voltaram a fazê-lo em 2016. Pilhagem, assalto, rapinagem, gamanço, surripiagem, ladroagem… os sinónimos são muitos mas o significado é só um: estamos a ser roubados.

Não surpreende ninguém que os CTT privados estejam em sistemática violação das Bases de Concessão do Serviço Postal Universal, porque não era essa a atividade que os acionistas procuravam quando compraram a empresa. Também aí PSD e CDS fizeram o pleno e ofereceram como bónus do negócio uma licença bancária e o exclusivo da venda dos certificados de aforro.

Os acionistas aproveitaram a privatização de um serviço público que é um monopólio para lucrar também com um banco comercial com uma rede de balcões imbatível no território nacional. Entretanto, nas zonas rurais, o carteiro passa uma vez se for uma boa semana.

Já sabemos que o novo plano de reestruturação dos CTT prevê o encerramento de mais 22 lojas e o despedimento de 800 trabalhadores, ou seja, continuar a rebentar com a empresa. Há duas opções em cima da mesa, esperar para ver a quantos milhões é que isso vale aos bolsos dos acionistas ou resgatar para o setor público o que nunca devia ter sido privado. Já toda a gente percebeu que há uma razão para os correios serem públicos na maioria dos países europeus e que nunca deviam ter sido privatizados. Mas é melhor começar a fazer alguma coisa, que só o arrependimento nem mata nem faz nada.

Deputada do Bloco de Esquerda