Democracia – Portugal e Angola


Dificilmente se encontra hoje num outro país da Europa e mesmo em muitos outros países de democracia não consolidada, como Angola, um nível de compadrio, de nepotismo e de corrupção tão elevados como em Portugal


A evolução recente da politica angolana contém alguns ensinamentos que deveriam interessar a todos os portugueses, na medida em que precisamos tanto quanto os angolanos de uma limpeza dos estragos provocados na economia e na sociedade portuguesa pelo conluio entre a política e os negócios. Porque se é verdade que a corrupção foi, apesar de tudo, mais evidente em Angola do que em Portugal, não é menos verdade que o novo Presidente João Lourenço iniciou um processo de limpeza que nos deve fazer inveja.

Recentemente, o Presidente angolano anunciou numa intervenção pública que o MPLA, como órgão colegial, assume colectivamente a responsabilidade do que se passou e que se deveu à inacção do partido e cujas consequências “está hoje o País a pagar”. Que bom seria que António Costa e os restantes dirigentes do Partido Socialista dissessem o mesmo relativamente à tenebrosa governação do PS durante o consulado de José Sócrates.

Mas João Lourenço acrescentou mais na sua intervenção: “Que haja transparência na adjudicação das grandes empreitadas públicas, barragens hidroeléctricas, portos, aeroportos e que se respeite a necessidade de realização de concursos públicos.” Que bom seria que António Costa dissesse o mesmo e terminasse com a hecatombe dos concursos por ajuste directo, no Governo e nas autarquias, nomeadamente na de Lisboa, que é fruto da inspiração pessoal do Primeiro Ministro.

Na mesma ocasião o anterior presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, falando certamente sobre o que conhece bem, disse o seguinte: “ a corrupção já tem sido definida como o segundo principal mal que afecta a sociedade depois da guerra, tendo em conta os excessos praticados por agentes públicos e privados, que obtinham de forma ilícita vantagens patrimoniais para si ou para terceiros.” Mais à frente e falando de nepotismo disse: “caracterizado como o favorecimento de parentes ou amigos próximos em processos de promoção profissional ou de nomeação para o exercício de funções.”

Ainda sobre o mesmo tema soubemos há dias que o Presidente Macron da França publicou um decreto a proibir os ministros e outros governantes de nomearem familiares para cargos públicos. Se aplicada em Portugal esta lei francesa arriscava-se a demitir metade do Governo português. Ou seja, dificilmente se encontra hoje num outro país da Europa e mesmo em muitos outros países de democracia não consolidada, como Angola, um nível de compadrio, de nepotismo e de corrupção tão elevados como em Portugal. E por mais que os governantes, com o Primeiro Ministro à frente, se afadiguem a negar essa realidade, usando para isso todos os recursos da sociedade da informação e, em muitos casos, da desinformação, vamos continuar a assistir quase semanalmente a novos escândalos e o conhecimento de novos desastres, com ou sem consequências mortais. Contribui para isso um Estado tentacular, chefias em grande parte de familiares, amigos e afilhados do poder politico, um Estado usado ao limite pelos partidos em seu beneficio e dando os piores exemplos à sociedade. Recentemente, a Câmara de Lisboa demonstrou de forma simples como se gastam os dinheiros públicos para contentar as oposições, concedendo-lhes todas as mordomias possíveis. A fórmula é tragicamente simples: se não consegues convencê-los, compra-os.

Sabemos todos que para serem democráticos, modernos e desenvolvidos os países precisam de instituições fortes e independentes do poder político, como precisam de empresas libertas do Estado, mas responsáveis e respondendo perante os colaboradores, os clientes e a lei. Ora o que acontece em Portugal na actual conjuntura é o inverso, as instituições são dominadas pela desconfiança, pela burocracia, pela instabilidade e pela má qualidade das leis, além de dependerem do dinheiro distribuído em profusão pelos governos, com critérios de reforço do poder partidário e pessoal e o objectivo de manutenção do poder.

Sobre tudo isto impera uma Assembleia da República cega e surda e que só não é muda porque há que simular o processo democrático. Razões mais do que suficientes para que um grupo de gente de boa vontade e que muito gosta de Portugal continue a lutar neste jornal por uma democracia de qualidade e pela reforma das leis eleitorais.

Nota: encontra-se já à venda o livro “Por um Democracia de Qualidade” que dá a conhecer os textos publicados às quartas feiras neste jornal.

 

Subscritor do Manifesto, Por Uma Democracia de Qualidade, por uma democracia de qualidade