A forma como foram aprovadas as alterações à lei de financiamento dos partidos está a gerar controvérsia. O presidente da associação portuguesa Transparência e Integridade, João Paulo Batalha, afirma tratar-se de “um negócio cozinhado pelos partidos para benefício próprio e feito de forma premeditada nas costas dos cidadãos”.
Ao i, João Paulo Batalha afirma que “isto foi feito pela calada, foi premeditado para ser feito pela calada e foi votado em vésperas de Natal para que os portugueses não percebessem”.
O presidente da Transparência e Integridade lamenta ainda que todo o processo tenha sido conduzido “sem debate público, sem audições a especialistas e sem que se façam estudos comparativos da situação portuguesa com as melhores práticas internacionais”.
As mexidas mais polémicas na lei, que estipula as regras para o financiamento dos partidos políticos estão relacionadas com a angariação de fundos e com os benefícios fiscais.
Até agora, as receitas de angariação de fundos não poderiam exceder anualmente, por partido, 1500 vezes o valor do IAS – Indexante de Apoios Sociais, o que corresponde a cerca de 630 mil euros. Com a nova lei deixa de haver limite para o dinheiro angariado.
Por outro lado, os partidos poderão pedir a devolução do IVA para todas as despesas, enquanto que até agora isso só acontecia “na aquisição e transmissão de bens e serviços que visem difundir a sua mensagem política”. Por exemplo, um partido pode pedir a devolução do IVA de todos os produtos que adquirir para uma festa partidária. A dúvida é se esta nova legislação irá beneficiar o PS, que apresentou várias ações em tribunal contra a Autoridade Tributária a exigir a devolução do IVA pago nas campanhas eleitorais. O responsável financeiro do PS, Luís Patrão, disse ao “Público” que “não há aqui favores”.
Estas alterações foram feitas à boleia da necessidade de atribuir à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos a possibilidade de “investigar as irregularidades e ilegalidades das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, bem como aplicar, sendo caso disso, as respetivas coimas, com a possibilidade de recurso, com efeitos suspensivos, para o Tribunal Constitucional que decide em plenário”. No debate, no parlamento, o socialista Jorge Lacão realçou o “largo consenso” conseguido em torno de uma lei aprovada com 119 votos a favor e apenas 18 contra. PSD, PS, PCP e Bloco de Esquerda votaram a favor. CDS e PAN votam contra.
Álvaro Castelo Branco diz ao i que “o desaparecimento da limitação em matéria de angariação de fundos coloca em causa aquilo que são as regras de transparência relativamente ao financiamento partidário, porque deixa de haver qualquer tipo de limite em relação a essa mesma angariação”. Para o deputado do CDS, “uma questão é discutir qual é o limite, outra coisa é deixar de haver limite. Isso pode transformar os partidos em empresas de angariação de fundos”.
Benesses Confrontado com estas alterações, João Paulo Batalha afirma que “os partidos políticos estão a autoatribuir-se um conjunto enorme de benesses fiscais e um alçapão sem fundo para financiamento privado através do levantamento dos limites às angariações de fundos. Torna-se possível canalizar até malas de dinheiro para dentro dos partidos e dizer que são o resultado de uma angariação de fundos”. A esperança do responsável da associação Transparência e Integridade é que o Presidente da República vete a nova lei e “exija que o parlamento legisle sobre estas questões sensíveis com um amplo debate público”.
“Às escondidas” Todo o processo foi tratado num grupo de trabalho com deputados de todos os partidos. As reuniões foram, porém, em muitos casos à porta fechada. Não é possível, por exemplo, apurar qual foi o partido que tomou a iniciativa de alterar as regras para a angariação de fundos. A ex-presidente da Entidade das Contas foi das primeiras vozes a levantar-se contra a aprovação da lei “em tão curto espaço de tempo e sem ser publicitada”. Margarida Salema considera que “os partidos resolveram uns aos outros os problemas de cada um”.
Ribeiro e Castro, ex-líder do CDS, defendeu que “não há democracia às escondidas” e é necessário que “haja, ao menos, quem fale e quem explique”. Henrique Neto, ex-deputado e subscritor do manifesto “Por uma democracia de qualidade”, que propunha maior fiscalização às contas dos partidos, considera que “os partidos abusam porque sentem que os seus atos são impunes”.