O debate do Orçamento para 2018 confirmou a minha opinião inicial de que se tratava de um Orçamento sem qualidade, um mero exercício de powerpoint em que tudo é milimetricamente ajustado para servir exclusivamente os interesses corporativos que sustentam a geringonça, mas promovido como imagem apelativa, todavia fictícia, de um Orçamento ao serviço do país.
Pior ainda, aconteceu que grandes bandeiras e promessas do governo consubstanciadas no estribilho da “palavra dada, palavra honrada” não tiveram acolhimento nas verbas orçamentais. Ou o governo não honrou a sua palavra no Orçamento ou foi o Orçamento que se rebelou contra o criador e desonrou a palavra do governo.
Dada e mil vezes repetida foi a promessa da reposição de rendimentos. Todavia, é o próprio quadro-síntese das receitas e despesas da administração pública do relatório do OE que desmente a promessa, ao explicitar um aumento da receita do Estado, em termos absolutos e em relação ao PIB. Se a receita do Estado vem, ou veio, da economia, das empresas e das famílias, e se o Estado arrecada uma parcela maior, são as empresas e famílias que a suportam. E, se os portugueses suportam e pagam uma parcela maior do PIB e ficam com uma parcela menor, o Estado não repõe rendimentos, antes recolhe uma parcela adicional através, nomeadamente, da anestesiante tributação indireta.
Assim, das duas, uma: ou o governo não honrou a sua palavra no Orçamento ou foi o Orçamento que imediatamente se rebelou e desonrou a palavra do governo.
Dada e repetida foi a garantia do rigor dos valores orçamentados que suportam os gastos de cada rubrica da despesa.
Todavia, e logo num ano de todos os desbloqueios, de promoções de funcionários, progressões automáticas, aumentos salariais, e também de admissão de professores, de precários sem concurso, bolseiros, estagiários, certamente em condições diferentes das que usufruíam, o OE prevê para as despesas de pessoal um aumento de apenas 71 milhões de euros.
Assim, das duas, uma: ou é o governo que não honra a sua palavra no Orçamento, e serão os cortes orçamentais, agora chamados cativações, no investimento e em rubricas orçamentais ad hoc, que permitirão a cobertura da rubrica, ou é o Orçamento que toma vida própria e desonra a palavra do governo.
Palavra dada e repetida foi ainda que a diminuição do défice se deveria a um controlo da despesa, já que a receita sofreu pela dita devolução de rendimentos aos cidadãos. Mas é o aumento da despesa de 2,5 mil milhões de euros que dá a grande contribuição para o défice de 2 mil milhões de euros, pois este seria o dobro caso a receita fiscal e parafiscal não aumentasse nessa mesma ordem de grandeza.
E também aqui, das duas, uma: ou o governo não honra a sua palavra no Orçamento ou é já o Orçamento que se rebelou e desonra a palavra do governo.
Palavra dada e repetida foi que a dívida irá diminuir em 2018. Mas o quadro das receitas e despesas também mostra que as necessidades líquidas de financiamento atingem um valor superior a 2 mil milhões de euros (e a baixa dos juros, da ordem dos 500 milhões de euros, foi de imediato aproveitada para financiar despesas correntes).
Não sendo possível conciliar reembolsos com défices orçamentais, também aqui, das duas, uma: ou o governo não honra a sua palavra no Orçamento ou é o Orçamento que tomou vida própria e desonra a palavra do governo.
E nem vale recorrer ao sofisma da evolução em termos de PIB. Com o fim dos apoios do BCE e a alta certa das taxas de juro, a persistência de uma dívida elevada gerará novas crises a agravarem as do passado. As reformas estão por fazer (e as feitas foram revertidas) e muitos dos custos permanentes parcialmente considerados em 2018 far-se-ão sentir em pleno nos anos posteriores.
Enfim, um Orçamento mentiroso e sem qualidade, próprio de uma democracia sem qualidade e de um governo sem qualidade, em que palavra dada nada tem a ver com a verba orçamentada e esta pode ser tudo menos palavra honrada.
Economista e gestor, Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”