O Presidente no seu labirinto


Marcelo escolheu uma trincheira de combate político ao colocar-se totalmente ao lado da geringonça, acabando assim por ligar irremediavelmente a sua presidência ao destino desta


Marcelo Rebelo de Sousa passou quinze anos na televisão a preparar pacientemente a sua candidatura presidencial. Quando foi finalmente eleito, decidiu que passaria os cinco anos do seu mandato também a preparar pacientemente a sua reeleição. É assim que a sua presidência tem sido uma campanha eleitoral permanente, com banhos de multidão, abraços, selfies, etc., etc. No âmbito dessa estratégia eleitoral, chegou à conclusão de que tinha que ter também o apoio da esquerda, razão por que passou a andar com o governo de António Costa ao colo. É assim que Marcelo tem deixado o governo e a sua maioria parlamentar de mãos totalmente livres, não havendo memória de, por exemplo, ter mandado um único diploma para o Tribunal Constitucional. Em contrapartida António Costa tem dado todo o palco a Marcelo para o anúncio e a comemoração das boas notícias que têm surgido, quer na área económica, quer até nos êxitos desportivos.

O problema é que, na sua impetuosidade, Marcelo exagerou no seu apoio ao governo. Foi assim que, perante o incêndio de Pedrógão Grande, garantiu imediatamente que se tinha feito tudo o que era possível e cobriu a posterior ausência de António Costa em férias. Da mesma forma, foi a correr a Tancos ao lado do Ministro da Defesa, passando uma mensagem de apoio a um ministro em dificuldades. E perante as sucessivas notícias que demonstram o colapso do Estado nas áreas essenciais da administração interna e da defesa, Marcelo tudo tem feito para salvar o governo, chegando ao ponto de apelar a uma trégua política nas eleições autárquicas, querendo esvaziar assim a luta política no seu período mais essencial.

Como é óbvio, a consequência disto foi que os partidos do centro-direita passassem a ver o Presidente, não como um árbitro, mas como um opositor. Tal a princípio não incomodou Marcelo, que se considerou escudado na popularidade do governo. As coisas mudaram, porém, com as últimas sondagens que demonstraram o governo em queda. Aí Marcelo foi logo dizer, mesmo em Andorra, que também costumava virar à direita, ainda que cá ninguém tenha até agora dado por tal. Acrescentou ainda que ninguém poderia fazer oposição “ao Presidente que ama todos os portugueses” e que até tem uma “popularidade de 80 e tal por cento”, a não ser “alguém muito distraído”. E, como num coro de orquestra, no PSD começaram logo a surgir os comentadores de serviço, a pedir que Passos Coelho se abstivesse de atacar o Presidente.

Em 1976 Sá Carneiro foi o primeiro a propor a candidatura presidencial de Ramalho Eanes, que depois foi eleito com 61% dos votos, mas não hesitou em combatê-lo politicamente a partir do momento em que este passou a atacar o PSD. Marcelo escolheu uma trincheira de combate político ao colocar-se totalmente ao lado da geringonça, acabando assim por ligar irremediavelmente a sua presidência ao destino desta. A menos que alguém consiga fazer eleger um homem de palha no PSD, não me parece que algum líder do partido, seja o actual ou outro, deixe de considerar Marcelo como um opositor. O Presidente enredou-se num labirinto de onde já não consegue sair.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira, sem adopção

das regras do acordo ortográfico de 1990