Balanço de uma viagem que já vai mais longa que a de Álvares Cabral


Viajar para uma cidade onde há Fernando Pessoa à entrada das favelas é também sonhar com um país que pode dar a volta em pouco tempo. Para isso basta descobrir as pessoas (e as histórias) que fazem realmente o Brasil andar para a frente


Ao fim de sete meses é hora de fazer um balanço desta minha viagem, que começou no início do ano em Lisboa, estendendo-se ao Porto e, mais recentemente, a diversas cidades angolanas, como Lobito, Moçâmedes e Luanda. Da Invicta trouxe a estas páginas o acolhimento das ruas; de Luanda, o pôr-do-sol e o sorriso das crianças; do Lubango, a serra da Leba e o jipe sem travões; e do Namibe, o deserto e o oceano – uma espécie de praia sem fim, sem rede de telemóvel, sem pessoas. Mas esta viagem só termina no Rio de Janeiro e, sete meses depois, estou prestes a chegar ao destino.

Sim, é verdade, já bati os 45 dias de que Pedro Álvares Cabral precisou para alcançar a Terra de Vera Cruz. Fora de um calendário oficial apertado, as tempestades foram muitas, perfeitas na maioria das vezes. Boas, quase sempre. Estava no Porto quando a cidade foi eleita o melhor destino europeu, senti o pulso a Angola a poucos dias das eleições, que acabaram com os resultados que ontem conhecemos, ouvi e vivi os boatos da morte de José Eduardo dos Santos e, por mero acaso, estava à porta do Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro quando Dos Santos regressou de Barcelona e tranquilizou o país e o partido.

Como não há duas sem três, chego ao Rio de Janeiro numa altura especial (numa das mais sensíveis da sua história recente) e conseguirei a proeza de trocar um calor português por um frio brasileiro. Levo as malas de uma Lisboa invadida por turistas (que vê nessa falsa invasão quase todos os seus problemas atuais) e aterro num Rio que luta por não se esquecer do espírito das Olimpíadas (e da invasão turística), tentando contrariar a instabilidade social e política em que o país tem estado mergulhado.

Chegar ao Brasil é sempre bom, seja qual for o período, seja qual for a direção ou a estação do ano. E é bom pelo mesmo motivo que vale a pena correr Angola de uma ponta a outra e que custa tanto sair de Portugal: pelas pessoas. Aquelas com quem nos cruzamos nas ruas e nos fazem perceber qual é o verdadeiro motor de um país.

Pessoas com histórias, como é o caso da Micaela – aquela jovem portuense que criticava as “guerras” entre os do Norte e os do Sul e que dizia adorar a capital – e como a que contei na última semana, do sr. Dala, o motorista angolano que só queria ter estudado Engenharia e que ainda hoje guarda as palavras da sua professora primária portuguesa.

Há alguns anos, numa outra viagem à Cidade Maravilhosa, uma frase de Fernando Pessoa marcou o início de uma visita que fiz aos “bastidores” da favela do Vidigal. Palavras de que não me esqueci e que ganharam ainda mais força nos últimos meses, com todas estas imersões.

Eram 9h30 e eu estava no largo junto à Avenida Niemeyer, onde começa o morro que fica entalado entre o Leblon e São Conrado – dois dos bairros mais luxuosos. As letras garrafais estavam desenhadas num muro com que se cruzam apenas os moradores daquele cenário idêntico aos que nos habituámos a ver em filmes como “Tropa de Elite” e “Cidade de Deus”: “Não viajo, sonho.”

*Estudante MBA Atlântico