Conto de uma noite de verão


O golpe mediático dos eucaliptos tinha sido realmente de génio. Os idiotas úteis do tipo MST na “Newsweek” e o trotskista de serviço no “New York Times” tinham-se atirado aos eucaliptos com uma sanha notável, culpando-os de tudo


Foi numa noite de setembro igual a tantas noites de setembro. Na Casa Branca, Donald Trump estava sentado, enfastiado, sem fazer nada, quedo, imóvel.

Levantou-se lentamente e dirigiu-se à janela, fitou com olhar lânguido o Bósforo que lá em baixo refletia, prateado, uma lua cheia.

“O que fazer?”, pensou. O que fazer? Nos últimos dois anos tinha inventado um golpe de Estado para se ver livre dos adversários, sobretudo do McCain, o tipo que inventou a Sarah Palin e tinha a mania que era dono da alma do partido;

Tinha-se visto livre dos generais da velha guarda, os tipos que achavam que a OTAN e os tratados internacionais de segurança mútua eram a última coca- -cola do deserto;

A sua gente tinha inventado os melhores bodes expiatórios, os eucaliptos, o SIRESP, fosse o que fosse, menos assumir responsabilidades pelo que corresse mal.

O golpe mediático dos eucaliptos tinha sido realmente de génio. Os idiotas úteis do tipo MST na “Newsweek” e o trotskista de serviço no “New York Times” tinham-se atirado aos eucaliptos com uma sanha notável, culpando-os de tudo: crises, bancarrotas, incêndios, mortes, revoluções, desgoverno, desorganização do território, caos urbano, o que fosse. Até dava gosto.

O vice-primeiro-ministro, o Celinho, o das ternuras, tinha ajudado a pegar ao pálio: chorava muito, comovia a populaça.

Pois sim, mas tudo isto era inútil, águas passadas, águas paradas. Agora, do que ele precisava era de um golpe de génio, de um big bang criador, mudar de paradigma. O que não muda apodrece, pensou.

O olhar fixou-se na água do Bósforo, num ponto impreciso: podia sempre libertar o Leopoldo López, esse pateta, acalmar a oposição; podia rever os círculos eleitorais, dava que falar à oposição uns meses, punha os opinadeiros a opinar e, no fim, ninguém mudava nada.

E lançar a coisa da renegociação da dívida? Era melhor guardar essa na manga para quando a poluição sobre Washington fosse tão violenta que até ele viesse a desejar não ter abandonado o acordo de Paris.

Não! Do que ele precisava mesmo era de um ato de destruição criadora. O velho Schumpeter é que sabia. Fora com o velho, venha o novo.

Mas o quê? Mísseis balísticos intercontinentais, para assustar a rapaziada? Tinha experimentado e chamaram-lhe maluco, palhaço. Invadir a Ucrânia? Tinha experimentado, acabou com a Crimeia ocupada, uma coisa de nada. Abater um avião de passageiros, para chamar a atenção? Sim, tinha resultado, um horror, 15 dias de imprensa, nem sequer a culpa lhe tinha sido assacada, ficou a dúvida. “É para isso que servem as comissões de inquérito”, pensou com um sorriso malicioso…

As águas do Bósforo corriam mansas lá em baixo. Ou seria o Tejo? O Potomac? Os estreitos marítimos não correm, estão.

Estava confuso, sem saber o que fazer. Voltou a sentar-se, pediu um chá de camomila e decidiu ali mesmo: aqueles três secretários de Estado, os “palermas da bola” que tinham ido ao Europeu (um ano antes!) iam à vida. Iam dar primeira página dos jornais, iam dizer que ele era um homem de grande rasgo, capacidade de decisão…

E se não dissessem, não tinha mal: até setembro não acontece nada tirando o país arder, e isso, já se sabe, é o habitual.

Viver habitualmente, arder habitualmente, morrer por hábito, era, tinha de passar a ser esse o princípio orientador da pátria ingrata e volátil.

Quais reformas, qual Schumpeter, qual destruição criadora, quem se mexe não fica na fotografia. Isso é que é.

Enquanto isto durar, “tant que ça dure”, como diziam os franceses, bem vai. Depois, quem vier que apague a luz.

 

Advogado, Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”