Custos das não reformas


É importante ter presente que a retoma a que vimos assistindo nos últimos dois, três anos é fraca e dificilmente sustentável, em particular tendo em conta os níveis de endividamento privados e público.


A despeito de múltiplas controvérsias e polémicas ideológicas, não será fácil encontrar hoje um economista que não subscreva a ideia de que, sem reformas estruturais significativas, não será possível Portugal ultrapassar as crises periódicas que têm caracterizado o pós-25 de Abril – e, em particular, as últimas duas décadas -, por forma a encontrar o rumo que lhe permita alcançar a modernização e as transformações necessárias, tendo em vista o progresso e a melhoria do bem-estar coletivo.

Esta é hoje uma visão de tal forma consensual que a opinião pública já integrou essa necessidade como condição indispensável ao desenvolvimento sustentável do país. Por ela vem reclamando cada vez mais, a ponto de a sua concretização ser causa da crescente desconfiança que nutre pelo processo político em geral e pela grande maioria dos políticos em particular.

Com efeito, é importante ter presente que a retoma a que vimos assistindo nos últimos dois, três anos é fraca e dificilmente sustentável, em particular tendo em conta os níveis de endividamento privados e público. Aliás, ela surge na sequência dos choques resultantes da crise financeira global (2008) e da do euro (2010), sendo certo que outros países europeus e nossos concorrentes diretos evidenciam maior resiliência e melhor desempenho. Deste modo, sem um crescimento mais robusto do PIB e dos fatores que o determinam não será possível ultrapassar as crises cíclicas com que vimos sendo confrontados. Esta é uma constatação a que os políticos não conseguirão escapar e que exige capacidade, competência e empenhamento para ser enfrentada. Dela dependerá a credibilidade e a confiança na governação e a concomitante qualidade e melhoria das condições de vida dos portugueses.

Mas o que está verdadeiramente em causa quando falamos de reformas? O termo tem sido de tal forma utilizado e banalizado que necessita de clarificação. Ora, por reformas estruturais pretende-se significar aquelas que verdadeiramente determinam a forma de funcionamento da economia, influenciando-a no sentido estrategicamente predefinido como desejável. Isto é totalmente distinto do que sucede no tipo de “navegação à vista”, em que a atuação visa corrigir uma trajetória não desejada, mas sem verdadeira clarificação do rumo prosseguido.

Neste contexto, importa assim reconhecer que o objetivo primordial a prosseguir é o do crescimento do PIB, assegurando simultaneamente a competitividade, o que implica políticas visando melhoria na produtividade dos fatores trabalho e capital e suas determinantes, nomeadamente inovação e condições de financiamento. Deste modo, tudo quanto possam ser práticas políticas não consentâneas com a prossecução mais eficaz do objetivo terão de considerar-se como custos inerentes às mesmas, decorrentes da não adoção das soluções mais adequadas: é, tipicamente, o caso das não reformas.

Em termos mais concretos, importa assim reconhecer que constituem custos do nosso processo político, entre outros, a ausência de reformas nos seguintes domínios:

1. Sistema eleitoral, por forma a retirar o monopólio dos partidos na elaboração das listas de candidatos à AR, assim permitindo uma representatividade mais consentânea com as aspirações e interesses dos cidadãos e possibilitando um melhor escrutínio público, com vista a que o interesse nacional seja assegurado;

2. Sistema judicial, por forma a torná-lo mais célere, mais accountable e eficaz;

3. Sistema regulador, dotando-o de efetiva independência e accountability, por forma a permitir que atue de modo responsável no momento oportuno, eliminando “falhas de mercado” e custos associados. Só assim poderá ser assegurada a concorrência, de molde a eliminar desperdício e evitar práticas de favorecimento. Em particular, o caso das “rendas excessivas” no setor da energia e das parcerias público-privadas terá de ser criteriosamente revisto, assim contribuindo para a redução da despesa pública e para a indispensável reforma do sistema fiscal.

4. Sistema bancário, tendo em vista assegurar uma reconfiguração do mesmo que possibilite que o seu funcionamento tenha em conta os interesses nacionais, seja eficaz e contribua para o crescimento potencial da economia. Especial atenção deverá ser dada ao crédito malparado, de modo a que ele não seja objeto de tratamento especulativo e fator de agravamento da necessária capitalização bancária.

5. Sistema educativo, por forma a dotá–lo de maior relevância e eficácia, nomeadamente na sua vertente profissional, à semelhança do que sucede noutros países, nomeadamente na Alemanha.

6. Sistema de infraestruturas, tendo em conta as suas reais prioridades, potencialidades e necessidades. Em particular urgem decisões sobre a rede ferroviária, sua modernização, compatibilização e integração nas redes europeias, bem como sobre a expansão do porto de Sines.

7. Segurança Social, tendo em vista garantir a sua sustentabilidade no longo prazo, mas tendo igualmente em conta as diferentes situações contributivas dos seus beneficiários.

8. Administração pública, tornando-a mais eficiente e célere, através da desburocratização e da motivação e empenhamento dos seus agentes. Neste contexto afigura-se relevante a responsabilização e motivação destes, com revisão das carreiras e de vencimentos, tendo em vista o aumento efetivo da produtividade.

9. Sistema de saúde, com vista à eliminação de desperdício, maior eficiência e eficácia. Neste âmbito é importante ter em conta as conclusões do estudo patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian, bem como a necessidade de revisão de carreiras, vencimentos e incompatibilidades, por forma a dotar o sistema de maior transparência e produtividade.

10. Descentralização e ordenamento do território, com vista a potenciar as reais possibilidades do país, de modo eficaz e potenciador da coesão social.

Não é este o local, obviamente, para justificar e aprofundar a forma de concretizar este conjunto de reformas. Essa é uma tarefa para uma equipa de especialistas. Fica aqui tão-só mais um alerta para a sua premência, uma vez que medidas avulsas e não inseridas numa perspetiva reformista e bem articulada dificilmente poderão fornecer uma base credível para promoção do investimento. Esperemos que os responsáveis pela prossecução do desígnio nacional assim o considerem também.

 

Professor da FE/UNL, Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”
 


Custos das não reformas


É importante ter presente que a retoma a que vimos assistindo nos últimos dois, três anos é fraca e dificilmente sustentável, em particular tendo em conta os níveis de endividamento privados e público.


A despeito de múltiplas controvérsias e polémicas ideológicas, não será fácil encontrar hoje um economista que não subscreva a ideia de que, sem reformas estruturais significativas, não será possível Portugal ultrapassar as crises periódicas que têm caracterizado o pós-25 de Abril – e, em particular, as últimas duas décadas -, por forma a encontrar o rumo que lhe permita alcançar a modernização e as transformações necessárias, tendo em vista o progresso e a melhoria do bem-estar coletivo.

Esta é hoje uma visão de tal forma consensual que a opinião pública já integrou essa necessidade como condição indispensável ao desenvolvimento sustentável do país. Por ela vem reclamando cada vez mais, a ponto de a sua concretização ser causa da crescente desconfiança que nutre pelo processo político em geral e pela grande maioria dos políticos em particular.

Com efeito, é importante ter presente que a retoma a que vimos assistindo nos últimos dois, três anos é fraca e dificilmente sustentável, em particular tendo em conta os níveis de endividamento privados e público. Aliás, ela surge na sequência dos choques resultantes da crise financeira global (2008) e da do euro (2010), sendo certo que outros países europeus e nossos concorrentes diretos evidenciam maior resiliência e melhor desempenho. Deste modo, sem um crescimento mais robusto do PIB e dos fatores que o determinam não será possível ultrapassar as crises cíclicas com que vimos sendo confrontados. Esta é uma constatação a que os políticos não conseguirão escapar e que exige capacidade, competência e empenhamento para ser enfrentada. Dela dependerá a credibilidade e a confiança na governação e a concomitante qualidade e melhoria das condições de vida dos portugueses.

Mas o que está verdadeiramente em causa quando falamos de reformas? O termo tem sido de tal forma utilizado e banalizado que necessita de clarificação. Ora, por reformas estruturais pretende-se significar aquelas que verdadeiramente determinam a forma de funcionamento da economia, influenciando-a no sentido estrategicamente predefinido como desejável. Isto é totalmente distinto do que sucede no tipo de “navegação à vista”, em que a atuação visa corrigir uma trajetória não desejada, mas sem verdadeira clarificação do rumo prosseguido.

Neste contexto, importa assim reconhecer que o objetivo primordial a prosseguir é o do crescimento do PIB, assegurando simultaneamente a competitividade, o que implica políticas visando melhoria na produtividade dos fatores trabalho e capital e suas determinantes, nomeadamente inovação e condições de financiamento. Deste modo, tudo quanto possam ser práticas políticas não consentâneas com a prossecução mais eficaz do objetivo terão de considerar-se como custos inerentes às mesmas, decorrentes da não adoção das soluções mais adequadas: é, tipicamente, o caso das não reformas.

Em termos mais concretos, importa assim reconhecer que constituem custos do nosso processo político, entre outros, a ausência de reformas nos seguintes domínios:

1. Sistema eleitoral, por forma a retirar o monopólio dos partidos na elaboração das listas de candidatos à AR, assim permitindo uma representatividade mais consentânea com as aspirações e interesses dos cidadãos e possibilitando um melhor escrutínio público, com vista a que o interesse nacional seja assegurado;

2. Sistema judicial, por forma a torná-lo mais célere, mais accountable e eficaz;

3. Sistema regulador, dotando-o de efetiva independência e accountability, por forma a permitir que atue de modo responsável no momento oportuno, eliminando “falhas de mercado” e custos associados. Só assim poderá ser assegurada a concorrência, de molde a eliminar desperdício e evitar práticas de favorecimento. Em particular, o caso das “rendas excessivas” no setor da energia e das parcerias público-privadas terá de ser criteriosamente revisto, assim contribuindo para a redução da despesa pública e para a indispensável reforma do sistema fiscal.

4. Sistema bancário, tendo em vista assegurar uma reconfiguração do mesmo que possibilite que o seu funcionamento tenha em conta os interesses nacionais, seja eficaz e contribua para o crescimento potencial da economia. Especial atenção deverá ser dada ao crédito malparado, de modo a que ele não seja objeto de tratamento especulativo e fator de agravamento da necessária capitalização bancária.

5. Sistema educativo, por forma a dotá–lo de maior relevância e eficácia, nomeadamente na sua vertente profissional, à semelhança do que sucede noutros países, nomeadamente na Alemanha.

6. Sistema de infraestruturas, tendo em conta as suas reais prioridades, potencialidades e necessidades. Em particular urgem decisões sobre a rede ferroviária, sua modernização, compatibilização e integração nas redes europeias, bem como sobre a expansão do porto de Sines.

7. Segurança Social, tendo em vista garantir a sua sustentabilidade no longo prazo, mas tendo igualmente em conta as diferentes situações contributivas dos seus beneficiários.

8. Administração pública, tornando-a mais eficiente e célere, através da desburocratização e da motivação e empenhamento dos seus agentes. Neste contexto afigura-se relevante a responsabilização e motivação destes, com revisão das carreiras e de vencimentos, tendo em vista o aumento efetivo da produtividade.

9. Sistema de saúde, com vista à eliminação de desperdício, maior eficiência e eficácia. Neste âmbito é importante ter em conta as conclusões do estudo patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian, bem como a necessidade de revisão de carreiras, vencimentos e incompatibilidades, por forma a dotar o sistema de maior transparência e produtividade.

10. Descentralização e ordenamento do território, com vista a potenciar as reais possibilidades do país, de modo eficaz e potenciador da coesão social.

Não é este o local, obviamente, para justificar e aprofundar a forma de concretizar este conjunto de reformas. Essa é uma tarefa para uma equipa de especialistas. Fica aqui tão-só mais um alerta para a sua premência, uma vez que medidas avulsas e não inseridas numa perspetiva reformista e bem articulada dificilmente poderão fornecer uma base credível para promoção do investimento. Esperemos que os responsáveis pela prossecução do desígnio nacional assim o considerem também.

 

Professor da FE/UNL, Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”