Falling out of love


Eugénio de Andrade escreveu que não havia mais palavras depois do adeus, que as palavras se gastam, que só há silêncio. Mentiu, outro poeta que mentiu. Há muitas palavras, tantas que não caberiam em toda a poesia do mundo, e nunca se gastam


Ele adorava os poetas e precisava deles como de pão para a boca, mas sabia que não se pode acreditar em tudo o que escrevem ou dizem, e muito menos julgar que a poesia é a vida ou vice-versa. Não, isso não. Seria o mesmo que julgar que Vinicius de Moraes era bom e belo como os seus versos são ou que Álvaro de Campos era um engenheiro a navegar em lucidez e sensibilidade. Pois, nem um era uma coisa nem o outro a outra, que falha da vida, que possível desapontamento, mas que belíssima poesia.

José Gomes Ferreira escreveu que tinha saudades do futuro. Não pode ser verdade, trata-se apenas de um elevado desejo poético, ou de uma figura de estilo (cujo nome, a existir, ele ignorava, mas cultivava) que sublima a dor dizendo o contrário do que se quer dizer. Quando se sai do amor, não se tem saudades do futuro (e, se as há, são escassas), tem-se saudades do que era e do que já não é, e ainda mais saudades do que poderia ter sido e não foi. Talvez José Gomes Ferreira quisesse dizer saudades de um futuro que não foi, talvez isso. Afinal, ele escrevia principalmente sobre a guerra de 39-45 e gritava as saudades que tinha de um futuro qualquer – tão longe, tão sonho, tão cheio de coisas doces e de vida. Ou talvez quisesse apenas dizer, numa espécie de terapêutica poética, que há que tentar sacudir as saudades, porque elas matam, e tentar olhar principalmente para diante. Mas não disse, talvez porque isso seja fácil de dizer, e os poetas que o são de verdade não dizem coisas fáceis. Fácil de dizer, mas muito difícil de fazer, embora isso já não seja um problema da poesia, mas um problema da vida – e continuando a crer (talvez mal?) que a poesia não é a vida, e vice-versa, perdoem os jovens e os literatos, sempre cheios de calorosas ilusões. Ou talvez ele quisesse, afinal, uma outra coisa, talvez quisesse esconjurar o medo do futuro. Como quando se sai do amor. Tem-se muito medo – do vazio, de cair outra vez no amor, sobretudo porque um dia pode haver um novo falling out, e tem-se terror do que se pode dizer à outra pessoa ou o que dela se pode ouvir, ou de ambas as coisas. Isso ele sabia, mas para além disso sabia muito pouco.

Depois do fim há muito para dizer e para ouvir, embora nem sempre seja bom ou possível fazê-lo. Mas as palavras não faltam, as palavras abundam, sufocam, trituram, paralisam. Eugénio de Andrade escreveu que não havia mais palavras depois do adeus, que as palavras se gastam, que só há silêncio. Mentiu, outro poeta que mentiu. Há muitas palavras, tantas que não caberiam em toda a poesia do mundo, e nunca se gastam. O que acontece, muitas vezes, é que as palavras que há depois do fim podem não ser suportáveis, porque ferem e porque esmagam. O fim causa uma ferida, as palavras finais outra, e as duas juntas podem levar à dor insuportável. A poesia não é mesmo a vida, e esta não é aquela. E todos os poetas mentem, ou sublimam, ou disfarçam. Seja o que for, ainda bem, e bem hajam. Bem hajam os poetas e a poesia. E a vida.

 

Escreve quinzenalmente à sexta-feira