1. Os jotas – usualmente tratados como “jotinhas”, e não por carinho – são tema frequente. É comum apontar-se-lhes todos os males do mundo, elegendo-os como tema de caricatura, associados aos “jobs for the boys” ou “for the girls”. A primeira pergunta que nos devemos colocar – os jotas também – é o que se passou para que as juventudes partidárias passassem a ser percebidas, em linguagem tecnocrática, não como “asset”, mas como “liability”, isto é, passivo em vez de ativo. E a segunda pergunta é se as jotas são hoje fator de renovação do sistema político, se são ou podem ser um motor de esperança; ou se são antes fator de ceticismo, alimentando a ideia de o sistema não ter conserto.
O problema das jotas pertence sobretudo à Juventude Social Democrata (do PSD), Juventude Socialista (do PS) e Juventude Popular (do CDS), as jotas dos “partidos do poder”, os que mais longamente estiveram no governo. As questões que afetam a JCP são de outra natureza. E o Bloco, mais recente, faz até gala em afirmar “nós não temos jota” – traduzindo o desprestígio que foi ferindo as organizações de juventude.
Há dias, num trabalho na revista do “Público”, a síntese de abertura era esta: “As juventudes partidárias são hoje mais pragmáticas do que ideológicas” – embora, curiosamente, o texto desenvolvesse muito o contrário, o trabalho ideológico das jotas. Mas a jornalista apreendeu aquela verdade por detrás da aparência. E, se for assim, se forem “pragmáticas” e não “ideológicas” ou “doutrinárias”, as jotas de pouco servem: não mobilizam por ideias, sonhos, valores, ideais. Não sendo ideológicas, tornaram-se mero veículo e eco reprodutor da vulgar “ideologia do poder”, o mal do tempo, o veneno que trouxe o sistema à podridão.
Houve, com o decurso dos anos, uma quebra sensível da militância. Se, nos anos da Revolução e seguintes, o sentido da emergência cívica puxava quase todos os jovens para a ação política, hoje não é de todo assim. A normalização produziu um arrefecimento e os jovens passaram a olhar mais para as suas carreiras profissionais, a curar das suas vidas e interesses pessoais. O pior foi a ideia que se foi gerando entre os jovens, a cada fornada, a cada geração, de que os poucos atraídos pela política também estavam a tratar das carreiras e a cuidar das suas vidas e interesses. Se não havia neles um ideal vibrante que os exaltasse, se não irradiavam genuína convicção desinteressada, onde tinham, na verdade, a paixão?
Por isso, muitos jovens que, além do crescimento profissional, queriam dar largas a interesses sociais e cívicos foram canalizando – e bem – a sua generosidade para outro tipo de movimentos que não as juventudes partidárias. Estas desenvolveram tiques sem sentido útil e que as tornaram alvo de crítica nas suas próprias gerações. Desenvolveram um “sindicalismo jovem” que é, na essência, um modelo estúpido de sindicalismo. Enquanto a pobreza, a exploração, a desigualdade, onde existem, carecem de luta e organização para serem vencidas, a juventude não precisa disso: passa com a idade. As necessidades e os desafios postos pela juventude são de outra natureza e reclamam outra dinâmica. As jotas têm, em geral, os 30 anos como limite de idade, o que é demasiado elevado – algumas chegaram a tê-lo nos 35 anos. Ora, a ideia de um “jovem sénior” é mais próxima do ridículo que da seriedade.
O problema maior nesta evolução perversa foi a relação das jotas com o poder. Acabaram por tornar-se prolongamento dos vícios do sistema, em vez de reserva crítica e fonte de renovação. Cada uma tem a sua história; e os casos de estudo mais interessante são, obviamente, a JSD e a JS, com larga intimidade e promíscuo convívio com o poder, as estruturas da administração pública, os gabinetes e os fundos comunitários. Provaram, em abundância, do cálice do veneno.
Mas também na esfera que me foi próxima, a JC, hoje JP, pude observar a evolução. Creio que o fator de distorção esteve nos Protocolos CDS/JC, que deram aos “jovens” vários “direitos” de poder interno, conferiram 10% dos colégios eleitorais do CDS à jota e, entre outras metas de carreira, alimentaram a ideia de o presidente da JP ter “direito” a ser deputado. Não está mal que os jovens sejam deputados; está muito bem que o sejam, se têm gosto precoce, jeito e talento para isso. Mas não devem precisar de ser presidentes da jota – são-no porque são bons. Noutras palavras, são-no porque são jovens talentosos do partido, e não da jota; não sujeitam, não subvertem, não instrumentalizam a jota ao serviço dessa ambição.
Também a quota eleitoral de 10% se tornou mais servidão do que poder: um instrumento servil em manobras eleitorais internas ou batotas dos caciques. Mesmo numa juventude fora do poder – como, na maior parte do tempo, a JC/JP – a dinâmica foi muito semelhante à que íamos lendo nos jornais sobre a JSD e a JS. Também a JP se tornou arena de lutas pelo “poder”, recorrendo a processos pouco idóneos: a conquista do “poder” era essencial ao acesso à miragem dos magros cargos. O partido sénior olhava com condescendência para os truques e desvios “democráticos”: “São rapaziadas, hão de crescer.” Mas muitos dos mais velhos eram, eles próprios, os mestres da batota, instrumentalizando a quota dos 10% para seu apoio ou industriando os jovens noutros mecanismos de domínio. E os mais novos, crescendo assim, consolidaram uma cultura doente: aparelhística, caciquista e de teia, que replicavam e refinavam ao acederem, mais velhos, ao governo dos partidos.
O declínio fez-se assim. Só afastando as jotas, enquanto tal, do exercício e ambição do poder as recuperaremos para a função de renovação e refrescamento do sistema político. Os jovens são muito bem–vindos aos partidos. E quem quer intervir deve fazê-lo logo. Mas nos partidos diretamente, não a cavalo das jotas.
2. Portugal tem um problema sério com o sistema eleitoral. As jotas são capazes de agarrar essa bandeira e forçar a reforma? Façam-no. São capazes de encontrar deputados que tenham liberdade suficiente para ser pontas-de-lança dessa mudança crucial?
Já percebemos que nos querem esconder as imparidades da Caixa. As jotas são livres para impor o seu esclarecimento público e de quem foram os responsáveis? Vamos a isso.
Andamos a brincar com a dívida, que pesa brutalmente sobre o futuro. As jotas são capazes de fazer produzir um relatório objetivo e um inventário sério, com um caminho rigoroso e exigente a prosseguir, um manifesto de geração? Ou vão colaborar no contínuo ruminar da mentira?
Assistimos a um recuo brutal no valor da liberdade de ensino, abandonado até por quem se pensava defendê-la, o CDS. As jotas, que não são escravas do Estado, são capazes de assumir o combate ideológico pela liberdade e de afirmar uma alternativa com alto valor social?
Vai passar mais uma geração sem estruturar a descentralização? As jotas vão continuar a colaborar na centralização e a assistir, basbaques, à desertificação de boa parte do território?
Nestas e noutras questões, as jotas deviam ser capazes de pôr os pontos nos ii, interpretando-as e animando-as. Para isso, precisam de ser livres. Livres do poder que as amarrou. Só assim recuperarão a imagem, a genialidade e o brilho da política.
Subscritor do “Manifesto por Uma Democracia de Qualidade”