Os indignados da treta


A União Nacional gritou em uníssono a sua indignação contra um socialista holandês. Que pena não ficaremtão zangados com os malvados que atiraram o país para a bancarrota e com os ladrões que puseram a Caixa Geral de Depósitos nas ruas da amargura


Foi bonito ver António Costa chamar xenófobo, racista e sexista ao holandês Jeroen Dijsselbloem, que no seu estilo calvinista criticou os países do Sul que gastam o que têm e não têm em putas e vinho verde e depois vão de mão estendida pedir ajuda a quem faz do rigor e da austeridade o seu modo de vida. Foi bonito ver o CDS de Cristas, o PSD de Passos, o BE de Catarina e o PCP de Jerónimo gritarem cobras e lagartos contra o holandês que apenas disse o que pensam os holandeses, os alemães e a generalidade dos povos do Norte sobre a rapaziada sulista que anda a fazer de rica na zona euro, cai na bancarrota a toda a hora, falsifica e maquilha contas públicas para andar no clube dos ricos e chora baba e ranho quando os credores que lhe emprestam dinheiro lhe exigem medidas de austeridade, reformas a sério e, claro, juros pagos a tempo e horas.

Foi bonito ver o Presidente da República muito zangado com o holandês e também muito indignado com um relatório do BCE que propunha uma multa a Portugal de 190 milhões de euros por não fazer reformas estruturais. Um Marcelo que rapidamente desmentiu a indignação com o BCE e com Vítor Constâncio, essa alma superior da supervisão bancária que nunca mereceu uma União Nacional da indignação quando não viu nada no BPN e inventou um défice para fazer o frete ao primeiro governo de Sócrates. Um Constâncio premiado com um lugar de honra em Frankfurt que de imediato telefonou ao indignado Costa por causa do holandês a garantir que não tinha nada a ver com o relatório, algo que não é novo vindo de quem vem, de uma luminária que nunca teve nada a ver com coisíssima nenhuma.

E pronto. Os portugueses ficaram finalmente a saber que a bancarrota de 2011, a austeridade da troika, o brutal aumento de impostos, a nova austeridade de esquerda, o crescimento económico anémico, os défices históricos inventados pela contabilidade criativa da equipa de Centeno e a dívida inimaginável que não para de crescer é tudo culpa de um maldito holandês calvinista e socialista que teve o desplante de afirmar que a rapaziada do Sul gasta o que tem e não tem em putas e vinho verde.

Também ficaram a perceber que, afinal, o monumental buraco da Caixa Geral de Depósitos, que irá custar-lhes qualquer coisa como cinco mil milhões de euros, é culpa do malandro e estúpido holandês que, para mal dos seus pecados, falou verdade. Mas a propósito da querida Caixinha, tão amada pela classe política, está a ser muito bonito e dignificante assistir ao intenso debate sobre o fecho de balcões. De um momento para o outro nasceram das pedras imensos sabichões de banca e de gestão bancária. Os senhores deputados de todos os partidos e o governo discutem animadamente o que deve ou não fechar e a administração da Caixinha, tão independente, tão competente, lá aceitou os pedidos para rever o fecho de balcões e garante, com total independência, claro, que todos os concelhos vão ter um balcãozinho, independentemente de causar prejuízos ou não.

No fundo, bem lá no fundo a que tudo isto chegou, mais milhões menos milhões não contam para o campeonato da desgraça de uma Caixinha que está a receber fortunas do Estado que Bruxelas não conta como ajudas do Estado no pressuposto de ser gerida como um banco privado. O exemplo dos balcões mostra bem quão privada vai ser a gestão. Para evitar ficções e mentiras, o melhor seria criar-se uma comissão parlamentar de acompanhamento da Caixinha, com a missão específica de tomar decisões sobre balcões, despedimentos e concessão de créditos.

E se não for muito perigoso para o regime, talvez essa comissão se digne por uma vez revelar aos portugueses quem é que andou anos a fio a roubar-lhes o seu querido dinheirinho. Bastava a lista dos biliões de créditos perdidos, o nome dos ladrões que os receberam e não pagaram e o nome de suas excelências os administradores nomeados pelos partidos que foram cúmplices dos ladrões.

Se servir de consolo aos senhores políticos de todos os partidos que amam tanto a Caixinha dos ladrões de milhões, podem no fim chegar à conclusão de que o dinheiro foi todo gasto em putas e vinho verde na terra do horrível holandês calvinista e socialista.