José de Pina. ‘Não se manda uma casa abaixo só porque há um problema no cano’

José de Pina. ‘Não se manda uma casa abaixo só porque há um problema no cano’


Sócio do Sporting há 40 anos e um dos principais rostos do painel de comentadores do programa Prolongamento (TVI24), José de Pina analisa o atual momento do clube de Alvalade.


Quando é que se tornou sportinguista?

Sou sportinguista desde que me lembro. O meu pai e a minha família eram sportinguistas. Lembro-me de ver imagens a preto e branco de uma equipa às riscas que por acaso era a equipa do meu pai. São as imagens mais remotas que tenho. Foi uma coisa natural, não houve assim nada de especial que fizesse com que me tornasse do Sporting. O ambiente estava formado e também gostava de ver aquela equipa, portanto foi tudo muito natural.

Recorda-se da primeira  vez que foi ao estádio?

Lembro-me vagamente. Foi um Sporting-Benfica. Um jogo à noite e havia uma zona da bancada que era o peão, onde fiquei.

Considera-se um adepto fanático?

Não. Sou um adepto convicto que gosta muito do seu clube. Se fanático for no sentido de chegar ao ponto de perder a cabeça e a racionalidade, só mesmo no estádio a ver jogos e só nalguns momentos. Ou se, por outro lado, fanático é gostar muito de uma coisa e ser fã, então eu sou fã do Sporting. Mas fanático no sentido irracional e desmiolado, não sou.

Além de professor, é humorista, argumentista, guionista e realizador. Como surgiu a oportunidade de fazer parte do painel de comentadores do Prolongamento?

Fui um dos criadores e coautor do Contra-Informação e, na altura, havia um programa dentro dos bonecos [do Contra-Infomação] que era o ‘Bar da Liga’. Desde aí que escrevo sobre futebol. Além disso, escrevi também no jornal A Bola, páginas humorísticas de futebol, e no Record. Na televisão integrei programas jornalísticos onde se falava de futebol. Quando chego ao Prolongamento as pessoas não se apercebem, mas assumi apenas como mais um programa e não propriamente ir para ali como um comentador como os outros. O advogado não sei do quê e o engenheiro não sei de onde. Fui na perspetiva de falar de futebol em mais um programa de televisão onde estava. 

Entrou para substituir o Eduardo Barroso [que abandonou o programa por incompatibilidade com Pedro Guerra]. Alguma vez pensou que pudesse enervar-se tanto?

Já sabia, já sabia um bocado da história que estava ali atrás, não é? Isso acabou por me estimular e desafiar. Pensei: ‘Vou tentar usar as minhas armas. Se estamos aqui na brincadeira, então também vou brincar’.

Enquanto humorista podia utilizar esse trunfo para levar as situações de forma mais leve…

Tento dosear. Geralmente faço mais quando vejo que os outros participantes do programa – mais propriamente um dos participantes – estão na brincadeira, mas é uma brincadeira no sentido figurado, porque ele está a brincar com as pessoas.

Está a provocar?

A provocar, a brincar com as pessoas. E, se assim é, então eu brinco também. Assumo o Prolongamento quase como um programa de entretenimento e os espetadores já perceberam isso. Também comentamos as situações, atenção, mas as televisões portuguesas estão cheias de programas com ex-árbitros, ex-jogadores, dirigentes, pessoas que analisam o futebol de outra maneira e até esses programas, por vezes, descambam. O Prolongamento é um programa de adeptos. Estou ali porque sou sócio do Sporting há 40 anos e já vi centenas e centenas de jogos. Não fui jogador como certas pessoas [Pedro Guerra], mas nem por isso deixo de ter milhares e milhares de minutos de futebol.

Mas há uma relação diferente em estúdio e fora das câmaras [com Manuel Serrão e Pedro Guerra]?

As pessoas cumprimentam-se e cada um vai à sua vida.

Enquanto adepto, o que sente ao ver o Sporting a 8 pontos do líder e fora de outras competições?

Fico frustradíssimo, porque foram criadas expectativas. Uma das coisas importantes, e falo do futebol mas é em quase tudo na vida, é a gestão de expectativas. Este ano, não foram bem geridas. No primeiro ano do mandato de Bruno de Carvalho, que como as pessoas sabem apoiei em 2011 e voltei a apoiar em 2013, a gestão de expectativas foi gerida brilhantemente. Os jornalistas estavam constantemente a desafiar o Sporting: ‘O Sporting é candidato ao título?’; e a resposta era sempre: ‘Não, qual candidato ao título’. Foram-se sempre gerindo as expectativas. No segundo ano, nesse aspeto também não houve grande alarido. De repente, com a vinda de Jorge Jesus e com a excelente temporada que foi feita no ano passado, eu próprio também fiquei entusiasmado. Gerou-se aqui uma expectativa que eu próprio também não consegui gerir.

Mas é normal as expectativas aumentarem tendo em conta o investimento feito [treinador e jogadores].

Digo aqui e já disse no ano passado: penso que há um excesso de comunicação no Sporting e quando há demasiada comunicação leva à não comunicação. O receptor já não percebe nada. Isso é uma das coisas que o Bruno de Carvalho disse, e muito bem, num comunicado no Facebook. Um texto onde foram assumidos os erros, as medidas a serem tomadas. E isso era preciso. Era preciso ter o presidente Bruno de Carvalho a tomar medidas e não o adepto Bruno Carvalho nem o candidato, porque neste momento, e devido às circunstâncias, ele tem mais de uma personalidade. Parece os heterónimos do Fernando Pessoa.

Em que sentido? 

Foi um comunicado de um presidente. Os interesses do Sporting estão acima. Se o Bruno de Carvalho quisesse ser eleitoralista, podia ter feito outras coisas, por exemplo: mandar embora o treinador. Fez aquilo que os interesses do Sporting pedem que se faça, um certo emagrecimento do plantel. Assumiu que as aquisições não resultaram. É o back to basics. Voltar um bocadinho ao espírito de há dois anos se calhar, mas é normal.

O Sporting está, ou não, em crise?

A equipa de futebol sénior masculina está em crise, o resto não estou a ver. O clube foi recuperado. Quando Bruno de Carvalho ganhou as eleições em 2013, o Sporting era um pandemónio, estava ligado às máquinas e foi recuperando. O que é que nós temos agora? Temos uma equipa de futebol, temos uns adeptos que estão reconciliados. Sou do tempo daqueles anos do Paulo Bento em que numa segunda-feira à noite estavam 20 mil pessoas, ao frio e ao vento,  com uma equipa que não criava oportunidades de golo e nos últimos cinco minutos o Liedson marcava um golinho. Os problemas do futebol do Sporting eram empurrados com a barriga. Isso era uma tristeza. A sério! Esses anos do Paulo Bento, dos tais segundos lugares, foram uma tristeza. Eram segundos lugares a 10 ou 15 pontos do líder. Um futebol tristonho, uma coisa medonha. E depois agravou-se com o mandato de Godinho Lopes. 

E agora?

Tirando a equipa sénior masculina do Sporting, temos um clube revitalizado. A formação neste momento está forte, está a recuperar. Foi introduzido o futebol feminino que está a fazer um trabalho extraordinário em sub-19. A equipa sénior feminina está a ser muito bem orientada e com uma excelente campanha. Foi feita uma aposta nas modalidades. A quotização dos sócios em vez de ir para a SAD foi para o clube. Tudo ideias interessantes promovidas por este mandato e de repente estamos todos aqui em stress com a equipa sénior. É chato. Obviamente que o futebol é muito importante, mas temos de ter cuidado nessas análises. A crise é na equipa principal de futebol masculina.

Uma crise que já não pode estar apenas ligada às arbitragens? Um tema muito abordado no programa.

Eu gostava de falar de outras coisas sem ser de arbitragens. Agora, há uma coisa que eu acho que é das mais perversas no futebol. Uma equipa não estar a jogar bem e mesmo assim é prejudicada pelas arbitragens. O que é que as pessoas dizem? ‘Jogassem mas é à bola’. Mas uma equipa que joga pouco tem de ser castigada com erros de arbitragem? Se eu jogo pouco, se deixo entrar golos, ou se não marcar golos, sou castigado. Agora, eu não mereço ser castigado com erros de arbitragem só porque estou a jogar mal. 

Há uma diferença entre erros de arbitragem ou, como muitas vezes é dito, a existência de uma arbitragem influenciada. Como é que é materializada essa suposta influência? 

Não sei. Andei dois anos em psicologia na universidade, mas não sou especialista nisso. Só o Freud explica o que é o inconsciente. Nós na nossa vida não somos robots, nem máquinas. Muitas vezes o inconsciente e subconsciente começam a trabalhar para sítios que nós desconhecemos. Portanto existem condicionamentos obviamente. Quando um árbitro leva notas negativas com determinado clube, perde. Depois quando ganha, com uma arbitragem semelhante, a nota já é positiva. Acho que não é preciso dizer mais nada.

A continuidade Jorge Jesus/Bruno de Carvalho está posta em causa?

Não. Neste momento não. A triangulação presidente/jogadores, jogadores/treinadores, Jorge Jesus/Bruno de Carvalho tem de ser resolvida. Sempre considerei o Jorge Jesus um grande treinador. No ano passado ir ao Estádio de Alvalade era uma diversão. E eu gosto desse tipo de treinador. Não se manda uma casa abaixo só porque há um problema no cano.

O Sporting ainda pode ser campeão?

A oito pontos já significa depender de muita coisa. Não é só o facto de estar a oito do da frente é que se nós não tivéssemos mais ninguém à frente. Ainda temos outro rival que é fortíssimo, o FC Porto, de quem já estamos a quatro pontos. 

E o Braga… 

Pois, e com uma agravante. O Sporting na segunda volta vai ter de ir a Braga. Acreditar nisto [vencer o campeonato] é muito difícil, mas há ali qualquer coisa. Agora em Espanha o Real Madrid encadeou duas derrotas seguidas, apesar de ser em competições diferentes.

Como vai preparar o próximo programa? A situação do Sporting está a ficar mais difícil de justificar?

Há muitos adeptos e espetadores que estão a ver no prolongamento como que um jogo ou um concurso. Não estou ali a fazer nenhum campeonato com o Pedro Guerra ou com o Manuel Serrão. Vou falar sobre o que eu acho do Sporting. O Benfica tem beneficiado um bocadinho do que se tem passado no Sporting este ano porque têm acontecido coisas no Benfica que às vezes passam despercebidas. No FC Porto igual. É engraçado que nos últimos tempos o site ‘Dragões Diários’ tem mandado grandes bombas. O Pinto da Costa já deu não sei quantas entrevistas, mas já ninguém fala do Porto. Isto é normal? Não é!

O Benfica e o Porto beneficiam da exposição mediática do Sporting?

Claro! O Porto neste momento, para ganhar alguma coisa tem de ser campeão, em quatro anos. O Porto está pressionadissimo para ser campeão nacional. As pessoas não se apercebem disso porque só se fala do Sporting. A pressão do Porto é insustentável. Sinceramente o Porto está preso por arames. O Porto se não for campeão fica quatro anos a zero e ninguém fala do Porto, nem há programas especiais a debater o Porto.

Bruno de Carvalho vai ser reeleito?

Espero que sim. Consigo dividir o que se está a passar com a equipa sénior do resto do clube. A crise que se passa com o Sporting é da equipa sénior masculina. O Bruno de Carvalho tomou determinadas medidas, algumas polémicas mas que eu considero acertadas, o que fez com que os adeptos estejam dececionados com esta temporada do Sporting. Se o Bruno de Carvalho não tivesse feito o trabalho que fez durante estes quatro anos os adeptos nem sequer tinham motivos para estarem dececionados. Nem sei onde é que nós estávamos e isso não pode ser esquecido.