Egas Moniz – um grande homem relembrado pelo Nobel…


…mas a sua vida foi muito mais do que isso. Hoje seria o seu aniversário. Egas Moniz ganhou o primeiro Prémio Nobel para Portugal. É por isso que é conhecido, apesar de muito contestado, injustamente, por ter ganho o prémio com uma prática que já não se usa hoje


“Não estou a falar desse, estou a falar do outro, o que ganhou o Prémio Nobel!” “Ah, pensei que estavas a referir-te àquele do tempo do Afonso Henriques que foi a Castela com a família porque o rei faltou às promessas.” “Não é nada disso, ai as tuas noções de história…” Este tipo de diálogo é frequente… e, realmente, entre o Egas Moniz do século xii e o Egas Moniz dos séculos xix-xx vai uma distância. Contudo, por acaso, a relação não é despicienda. António Caetano de Abreu Freire, depois Egas Moniz, deve os seus últimos nomes, Egas e Moniz, à crença do tio padre com quem foi educado de que ainda seria familiar direto de Egas Moniz, o tal que pôs o baraço ao pescoço, dele e da família, e se dirigiu ao rei de Leão e Castela pedindo desculpa pelo mau comportamento do rei de quem era tutor e mentor.

António Egas Moniz, o médico, nasceu em Avanca, concelho de Estarreja, a 29 de novembro de 1874, faz hoje 142 anos. Dada a grande crise económica da altura (fenómeno que atravessa o país ciclicamente…), o pai emigrou para Moçambique e alguns dos bens da família foram colocados à venda em hasta pública. Foi então o abade Caetano Freire, um tio, quem apoiou os primeiros estudos do sobrinho, que depois os continuou em Castelo Branco, Viseu e, finalmente, em Coimbra, onde concluiu o curso de Medicina, sofrendo já, apesar de jovem, de reumatismo e gota.

Coincidindo com a instauração da República, transferiu-se para a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, onde ficou responsável pela cadeira de Clínica Neurológica. Abriu consultório em Lisboa e começou a fazer deslocações regulares a outros países, principalmente a França.

Desde os seus tempos de estudante que o jovem António desenvolvia intensa atividade política, sendo defensor da liberdade de expressão e de pensamento. Em 1908 foi preso por estar envolvido na tentativa de um golpe de Estado contra a ditadura de João Franco, a 28 de janeiro, no chamado Golpe do Elevador ou Golpe da Biblioteca, que visava a proclamação da República e teve essa designação porque os conspiradores, liderados pelo visconde da Ribeira Brava, se reuniam nesse elevador, desmontado em 1920, que ligava o atual Largo da Academia de Belas Artes à Praça do Município. O golpe falhou, mas não demoraria sequer uma semana até ao regicídio.

Egas Moniz foi eleito deputado em diversas legislaturas, de 1903 a 1917. Em 1910 fez a sua iniciação na maçonaria, na Loja Simpatia e União, de Lisboa, e em 1917 fundou o Partido Centrista, que pretendia unir antigos monárquicos da corrente progressista e republicanos que se afastavam do Partido Evolucionista. As suas ideias políticas incluíam uma aliança entre o capital e o trabalho, com medidas de proteção das classes trabalhadoras.

Apoiante de Sidónio Pais, o “presidente-rei”, em 1917 foi nomeado embaixador em Madrid e, em 1918, ministro dos Negócios Estrangeiros. No desempenho deste último cargo presidiu à delegação portuguesa na Conferência de Paz de Versalhes, em 1918, quando terminou a Grande Guerra. Em 1919, após o assassinato de Sidónio Pais, decidiu abandonar a vida política ativa.

Com 45 anos de idade, liberto das suas responsabilidades de intervenção política e cívica, Egas Moniz passou a dedicar-se quase exclusivamente à carreira científica e foi nomeado diretor do Hospital Escolar de Lisboa e presidente da Academia das Ciências, cargo que ocupou por diversas vezes. Foi diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa entre 1929 e 1931.

As suas duas descobertas mais importantes foram a angiografia cerebral, conseguida pela primeira vez num ser humano no dia 28 de junho de 1927, a qual mereceu o Prémio de Oslo de investigação, em 1945, e a leucotomia pré-frontal, concretizada em 1935 e pela qual recebeu o Prémio Nobel de Medicina e Fisiologia, em 1949, depois de ter sido proposto cinco vezes (1928, 1933, 1937, 1944 e 1949).

Preocupado com os doentes mentais, párias da sociedade e escondidos ou maltratados pelas famílias, Egas Moniz resolveu dedicar-se ao tratamento destes doentes. Relembremos que, na altura, praticamente não existiam fármacos destinados às doenças mentais e que, em termos de tratamento, o que era mais comum eram os eletrochoques.

Sendo fisiologista, Egas Moniz pensou que a interrupção de algumas vias nervosas cerebrais poderia ajudar a que alguns “impulsos”, que provocariam os comportamentos disruptivos de certos tipos de doentes, não se efetivassem. Foi assim que, depois de aprofundar o estudo do cérebro, considerou que se poderia atuar ao nível dos chamados lobos pré-frontais, ou seja, na parte do cérebro que fica mais à frente, coberta pelo “osso da testa”. O tratamento foi designado por leucotomia pelo próprio Egas Moniz, o que significa “cortar substância branca do cérebro”. O sucesso foi grande e o método rapidamente divulgado em diversos países, sendo depois desenvolvido pelo americano Walter Freeman.

Com os avanços da farmacologia, já na década de 50 do século xx, e com o abuso da lobotomia nos EUA (bem diferente da leucotomia proposta por Egas Moniz), começaram a ouvir-se vozes discordantes, o que também decorria do aumento do interesse pelos direitos dos próprios pacientes. Contudo, acusar Egas Moniz de cortar cérebro aos doentes para se tornarem “vegetais” é uma imprecisão científica e uma ofensa à memória do médico. Poderemos debater questões éticas relativas à aplicação deste método; mas é necessário, na ciência, contextualizar as terapêuticas e, no caso de Egas Moniz, nunca colocar em causa a bondade, o humanismo e o espírito científico rigoroso deste médico. Alguns familiares de pacientes que sofreram a leucotomia exigiram que fosse anulada a atribuição do Prémio Nobel, mas se esta “reflexão a posteriori” pegasse, então muitos (a maioria?) dos prémios seriam retirados aos seus beneficiários.

Em 1939, aos 65 anos, foi alvejado por um doente, no seu consultório, com oito tiros. Sobreviveu e jubilou-se em 1944. A 3 de março de 1945 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Santiago da Espada e, no mesmo ano, foi-lhe entregue o Prémio de Oslo. Em 1949, aos 75 anos, foi galardoado com o Prémio Nobel de Medicina e Fisiologia. Faleceu em Lisboa a 13 de dezembro de 1955, com 81 anos de idade.

Fica aqui esta pequena homenagem a um grande homem e um grande português.