Ljubinko Drulovic. ‘O FC Porto  era sempre favorito.  Hoje, o Benfica nivelou’

Ljubinko Drulovic. ‘O FC Porto era sempre favorito. Hoje, o Benfica nivelou’


Chegou a Portugal com 24 anos e saiu aos 39. Pelo meio, tornou-se um nome histórico do FC Porto, sendo dos poucos jogadores a marcar presença nos cinco títulos seguidos nos anos 90. O que não o impediu de se mudar para o Benfica, onde assumiu também um papel de referência no início do consulado…


Não há adepto do futebol português que esqueça o nome Drulovic. O sérvio (então jugoslavo) marcou uma era no campeonato nacional, nomeadamente ao serviço do FC Porto – mas também do Benfica, após acabar a ligação aos dragões. Jogou 22 clássicos e deixou marca em quase todos – aquela trivela…

Deixou Portugal há nove anos, mas continua a seguir o campeonato? Como perspetiva o FC Porto-Benfica deste domingo?

Sim, acompanho sempre. Ambos têm boas equipas, com ambições de ser campeão. Talvez o FC Porto tenha mais favoritismo pelo facto de jogar em casa, mas vai ser um jogo dividido e resolvido nas pequenas coisas. E espero que seja um dos miúdos mais jovens a resolver.

Surpreende-o a vantagem que o Benfica já leva?

É verdade que não esperava que houvesse uma equipa a liderar com tantos pontos de vantagem já nesta fase. O Benfica tem grande mérito, está a continuar o trabalho da época passada. O FC Porto precisa de melhorar algumas coisas e precisa de conquistar estes três pontos, porque se o Benfica vencer, consegue uma vantagem psicológica muito grande. Oito pontos são muitos pontos, e a equipa que vai em primeiro dificilmente perde tantos pontos.

Na sua altura, um cenário destes era pouco provável…

Tínhamos uma equipa bastante forte, éramos sempre favoritos. Poucas equipas levavam pontos das Antas. Fomos sem dúvida a melhor equipa portuguesa naqueles anos. Pelo Benfica, perdemos sempre lá. O FC Porto era muito forte.

Consegue explicar de algum modo essa força aparentemente inexpugnável do FC Porto?

Era uma equipa guerreira, com união, mística. No Benfica não tinha isso, porque chegaram muitos jogadores novos naquela época (2001/02). Sentia-se muito a diferença de mentalidade. Hoje está muito mais nivelado: o Benfica hoje já está muito mais preparado para essas situações. Hoje, é um dos melhores clubes europeus, e deve muito ao presidente Luís Filipe Vieira, que conseguiu recuperar algum do tempo perdido. Levantou o clube, recuperou a mística antiga. Em termos de condições financeiras, centro de estágio, estádio. Hoje tem outra estabilidade. Tanto o Benfica como o FC Porto só tiveram dois presidentes em muitos anos, e isso nota-se.

Resolveu o primeiro clássico que disputou, um 2-1 em 94/95 nas Antas. Lembra-se?

Sim, marquei um grande golo, a passe do Rui Barros. E com o Preud’homme na baliza. Conseguimos o primeiro título nesse ano, começámos aí a ganhar tudo. Ganhei 14 troféus no FC Porto, foi a melhor parte da minha carreira.

E os 5-0 na Luz em 96/97?

Foi a maior derrota do Benfica em casa, um jogo marcante. Tínhamos uma equipa muito forte, Artur, Edmilson, Jardel na frente… Depois o Zahovic, o Capucho…

Mas também se associa muitas vezes o domínio do FC Porto nessas épocas com a questão da arbitragem… 

Essa é sempre a desculpa de quem perde. É verdade que tínhamos jogadores muito fortes, que jogavam com grande atitude e davam tudo, eram muito agressivos nos duelos individuais. Paulinho Santos, André… mas nunca era com maldade.

Muito antes de Quaresma, e da era do YouTube, o Drulovic marcou uma era com os seus cruzamentos de trivela…

Grande parte das que fiz foi assim, de trivela. Tinha muita facilidade de cruzar assim, e era eficaz. Isso treina-se, mas mesmo assim às vezes dizia para mim mesmo ‘como é possível?’. Algumas eram do outro mundo. Sempre tentei jogar com a cabeça, eu antes de cruzar olhava sempre para ver quem estava na área.

E o Jardel foi quem mais beneficiou com a sua arte!

Nunca vi ninguém jogar assim de cabeça. No ano em que ele chegou, fomos à Escócia na pré-época. Nos primeiros dois passes que lhe fazem, ele deixa a bola passar por baixo dos pés e nós a pensar: ‘Então? O rapaz não apanha uma?’. Depois, duas bolas para a cabeça… e dois golos. Mostrou logo a qualidade. E mais tarde melhorou bastante com os pés. Ele era um brincalhão, eu chamava-lhe cabeça quadrada, porque cada bola que ia lá era golo. Era muito fácil jogar com ele.

Mantém contacto com colegas desse tempo?

Sim, vamos falando de vez em quando. As redes sociais também ajudam.

Quando chegou ao Gil Vicente, marcou muitos golos, mas depois tornou-se um especialista a assistir…

Assistências foi o meu forte. Ainda ninguém bateu o meu recorde na I Liga. Na altura era diferente, ficávamos muitos anos no mesmo clube. Hoje, um jogador faz uma ou duas épocas boas e sai logo.

Nunca teve convites do estrangeiro durante esses anos?

Tive um do Atlético de Madrid, quando o Paulo Futre era diretor-desportivo, mas optei pelo Benfica.

Quanto valeria hoje um jogador como o Drulovic?

Não sei. Mas sei que ganharia muito mais dinheiro…

Então e porquê a mudança para o Benfica em 2001/02? Um jogador que já era um símbolo do FC Porto…

Saí porque não chegámos a acordo para continuar, e como queria ficar em Portugal e tive a proposta do Benfica, aceitei.

Acabou por nunca sofrer com a ira de adeptos portistas, pois não?

Sempre tive uma boa relação com os adeptos doFC Porto, eles sabem que sempre fui profissional e dei muito ao clube. Passei muito tempo no FC Porto, marcou-me mais. Joguei na Liga dos Campeões, ganhei cinco campeonatos, representei a selecção. Tenho muito orgulho, marquei presença na melhor fase da história do clube. Não foi fácil sair diretamente para o Benfica, mas eu estava preparado para essas situações. Houve quem ficasse zangado, e tinha todo o direito disso.

Curiosamente, pelo Gil Vicente marcou a ambos!

E dois grandes golos. Um de livre e outro ao meu grande amigo Vítor Baía. No Gil jogava a avançado, foi uma parte da minha carreira muito boa. O treinador punha a equipa a jogar em contra-ataque, e bem, porque funcionava. No FC Porto também ainda comecei como avançado, depois é que passei para extremo.

E depois, a meio de 93/94, lá vai para o FC Porto…

Tinha vários clubes interessados na altura, falou-se do interesse do Sporting, do Benfica também, mas escolhi o FC Porto.

Mas como é que um rapaz jugoslavo chegou ao Gil Vicente em 1992?

Já era o capitão do RAD Belgrado e já jogava nos sub-21 da Jugoslávia. Tinha uma proposta do Estrela Vermelha, que tinha sido campeão europeu em 90/91, mas depois os problemas começaram a surgir na Jugoslávia e quis sair e começar do zero. Então surgiu a hipótese do Gil Vicente.

Gil Vicente, FC Porto, Benfica… mas ainda faltava o Penafiel para fechar a carreira. Porque escolheu essa equipa?

Fui para o Penafiel porque queria voltar a viver no Porto. Joguei alguns jogos, mas poucos, e então decidi acabar ali a carreira. Já tinha o meu nome feito em Portugal de qualquer forma. Adorei viver e jogar em Portugal e adoraria um dia voltar a treinar em Portugal.

Há algum jogador em especial que mais o tenha marcado enquanto colega? E treinadores?

Tive a sorte de jogar com muitos jogadores de grande nível e não me fica bem enumerar algum em específico. Treinadores? Bobby Robson marcou-me muito. No trato connosco, nem parecia inglês! E depois o Fernando Santos, com quem ainda hoje mantenho uma grande relação.