Paulo China. “Cheguei a lavar casas de banho a troco de uma sandes”

Paulo China. “Cheguei a lavar casas de banho a troco de uma sandes”


Ainda os amigos do Facebook não sonhavam com a palavra e já Paulo China a praticava há muito tempo: falamos da selfie, ou autorretratos com amigos na imagem. Paulo China desde muito cedo que associou as selfies a jogadores da bola e, por isso, tem milhares com quase todos os craques dos últimos 30 anos. 


De Figo, seu sócio em vários negócios, a Zlatan Ibrahimovic, aos três Ronaldos e a Eusébio, poucos escaparam à objetiva de Paulo China. E foi no seu café-bar-restaurante e de Figo que nos recebeu. Sempre com gargalhadas fortes e com o ouvido e os olhos em tudo o que se passava no local. China é assim: adora o mundo da bola e o verão da marina de Vilamoura. E são poucos aqueles que andam por aquelas paragens que nunca ouviram falar no chinês mais algarvio de Portugal.

É uma figura muito conhecida, mas como gosta de se apresentar?

Sou o Paulo Tong Tam Tam. Signo Virgem, 19/09/1956, e sou Macaco no signo chinês. Nasci na Beira, em Moçambique. Os meus pais são descendentes da revolução do Mao Tsé-Tung e do Chiang Kai–shek e emigraram para Moçambique, onde nasci. São cantoneses, eram de uma família humilde e começaram a vida a fugir da revolução. Fui criado em Moçambique, uma colónia portuguesa onde havia duas comunidades, uma delas a chinesa, porque os chineses, quando emigram, juntam-se todos. Na minha infância comecei a estudar no colégio dos Maristas e no colégio de Luís de Camões, em Moçambique. Depois, no ciclo preparatório, como o meu pai estava ligado à indústria mecânica e ao comércio, eu estava com a ideia de seguir engenharia eletrónica, pensava ser um engenhoca.

E aí veio para Portugal?

Aí deu-se a revolução e, em 1975, venho para Portugal, sou retornado.

Retorna para um país que não conhecia.

Pois. Tudo novo. 

Porque escolheram vir para Portugal?

Porque é que escolhi, porque os meus pais não quiseram vir. Já tinham saído de uma guerra, já tinha uma certa idade. Vim por causa dos meus amigos de infância, amigos portugueses com famílias do Porto ao Algarve. Não sabendo o que era Portugal, só conhecia o que era o país através de algumas fotografias de pessoas que iam da Metrópole para lá. Mas quando temos 16 anos, vamos atrás dos amigos.

Foi morar para onde?

Fiquei a dormir no aeroporto uns dias até que o IARN, que era uma instituição de que toda a gente esqueceu o nome porque já se passaram 40 anos, apoiou e protegeu quem não tinha família. Cheguei com uma mala, sem mais nada. Puseram-me a dormir num sítio que hoje é um lugar chiquérrimo, na Lapa (risos). Dormia num palacete adaptado para receber os retornados, fiquei num quarto com mais 20 ou 30, apesar de só caberem cinco ou seis. Grande experiência.

Como foi o percurso a partir daí?

Na altura não havia depressões, não lhes chamavam nada disso [parte-se a rir]. Na altura, gostava de saber qual era a minha doença, naquele quarto sem dinheiro, sem família, sem nada. O IARN só dava uma sopa e um lanche, e eu caminhava. Andava na Basílica da Estrela; ainda não havia os senhores que hoje jogam às cartas no jardim, senão ainda me juntava a eles. Fui à procura da vida, descia até ao Rossio, que conheço bem – hoje dá-me vontade de rir, peço desculpa. Passava por São Bento, tentava vender o que podia para matar o bicho, ia às tascas da ginjinha e aos cafés perguntar aos senhores se queriam que eu limpasse a copa ou as casas de banho a troco de uma sandes, de um copo de água. Grande faculdade.

Quando arranjou o seu primeiro trabalho?

Não foi bem trabalho porque, na altura – estamos a falar em 76 e 77 -, não estava fácil nem para as pessoas que já cá estavam. Não sei se havia troika, mas havia crise, que eu não tinha ideia do que era. O que queria era ter qualquer coisa para comer e andava sempre à procura, a falar com quem conhecia para arranjar algumas pessoas que tivessem contactos e trabalho. Tive a sorte de ter uma estrela que se acendeu quando encontrei um empregado dos meus pais em Moçambique que era chauffeur e faz- -tudo de Pedro Luz, um grande empresário que, na altura, vendia roupas e tinha várias lojas. Ofereci-me para ir com esse conhecido, e enquanto ele carregava a roupa das lojas, eu ficava no carro para a polícia não multar. Levou-me algumas vezes ao armazém, e o sr. Pedro, que hoje em dia é um grande amigo, olhou para mim e, depois de ouvir a história da minha vida – a mulher dele ainda era viva -, começou a dar-me comida. Carregava e contava as calças, ajudava, ia conhecendo a cidade. Ele tinha as lojas da Mash. O Pedro é um grande senhor, é um dos meus gurus. Nem muita gente sabe, mas ele tem uma grande história. Ainda a semana passada estive com ele e com o Paulo Gonzo e revivemos esses tempos. Ele ajudou-me também com palavras, pois o dinheiro não era importante na altura. Importante era alguém explicar-nos e dar força para percebermos que conseguimos vencer a trabalhar, e foi isso que ele fez. Deixei de estudar porque não tinha como e tive de aprender com a vida. Na altura, ele tinha um grande negócio de roupas e uma visão muito grande em todas as áreas em que se meteu, já com a pedalada da inovação, e ensinou-me. Deu-me umas calças de ganga que importava dos Estados Unidos, das tropas, manchadas, ruças, como hoje está na moda. Eu nem sabia o que era moda, ele disse–me para ir ao armazém e levar para tentar vender. Lá ia vender calças e contava às pessoas a minha história de vida, algumas tinham pena e compravam. Comecei a ganhar algum, foi assim. Fui conhecendo gente e deram-me a oportunidade de lavar pratos e casas de banho. Fiz todo esse trabalho. Depois houve uma senhora rica que vinha para o Algarve – já nessa altura havia a tendência de as famílias ricas terem aqui casa – e vim com eles. Nem sabia que o Algarve era um sítio, nem sabia o que eram férias. Foi ela quem me explicou que quem trabalhava tinha direito a férias. Vim tomar conta das crianças, lavar pratos, ia às compras, fazia tudo. Era uma família nova, foi assim.

Isso foi em que ano?

Em 77. 

Quem era essa família?

Não quero falar porque era um nome sonante, não gosto de falar em nomes. 

Eram os Espírito Santo?

Não, isso foi a seguir. Essa família também me ajudou e estive ligado a eles, aprendi muito. Isso foi depois de os outros terem visto que eu lavava bem os pratos e as casas de banho, e que trabalhava mais do que os outros. Não olhava para as horas. A única arma que tinha era o trabalho. Na altura não comunicava muito porque era um chinoca retornado. Se fosse agora, era capaz de estar na moda. Na época olhavam para mim e viam um chinoca de Moçambique, assim meio escurito, e desconfiavam [risos].

Voltou para Lisboa ou ficou logo no Algarve nessa altura?

Vou para Lisboa, e essa família tem o seu network – como chamam agora – cheia de amigos com nomes sonantes. Um deles era o administrador ou diretor da marina de Vilamoura, uma marina chiquérrima por causa do rei de Espanha. O senhor sonante, de grandes famílias, era o comandante António Brito e Cunha. Ele tinha boas relações e o know-how, e foi escolhido para ser administrador. Todas as famílias daquele nível gostavam de vela e de barcos, daí que senti um bom feng shui com este senhor, era simpático e bem-falante. Sabemos que faz parte do jet-set português, das revistas. E daí voltei porque tinha sido bem tratado em Vilamoura e senti aqui um pouco aquele arrepio que os seres humanos sentem. Há certos sítios que arrepiam quando se anda à procura de alguma coisa que não se tem. É o calor, é o cheiro, é a marina, é a água. Eu era novo e curioso, e senti um bocado de riqueza. Olhei para os barcos e achei que deviam ser muito caros e muito giros. Mas só para férias? Nem sabia o que era turismo. Passados estes anos todos e estou envolvido em comidas, bebidas e turismo. 

Mas o que começa a fazer nessa altura?

Nessa altura voltei para cá e fui com o sr. comandante para tentar descobrir alguma oportunidade. Quem tem barco tem de ter pessoas para limpar, o skipper, tem de haver uma infraestrutura à volta da marina, e achei que podia haver qualquer coisa para mim. Vim cá tentar apresentar-me a alguém para fazer alguma coisa, gostei muito deste espaço. Comecei a tratar dos barcos, a lavar pratos nos restaurantes porque queria fazer horas, queria era saber onde os senhores iam comer para verem que o que eu queria era trabalhar, era esse o lema. Não havia excel, não havia computadores, que hoje só se trabalha ao computador. Na altura não havia esse faz-de--conta. Começo a trabalhar num restaurante, aqui na marina, de um senhor de Cascais que tinha vindo de Wall Street e gostou da minha cara, era o John de Campos. Sítio bem frequentado, com amigos financeiros. Conheci ali as famílias Champalimaud, Espírito Santo, Pereira Coutinho, e toda essa sociedade do mundo financeiro de há 30 anos. Tinham barcos aqui e a minha história começa aí. Foi quando o sr. Brito e Cunha e o dr. Bernardo Espírito Santo olham para mim e me convidam para abrir um espaço. Estava tudo a crescer e fazia falta um ponto de encontro para os nautas. Abrimos um restaurante chamado Petit Port, o pequeno porto. Aquilo era uma sociedade, disse aos senhores que a única coisa que tinha para dar era trabalho, dinheiro não tinha. Foi assim o meu começo.

Onde era o restaurante?

O primeiro onde trabalhei era aqui ao lado da farmácia, o Oriente Express, foi top. Toda a gente dessa época recorda uma decoração feita pelo John com o Paulo Guilherme, que era amigo dele e do D’Eça Leal, grandes craques. No Petit Port constituímos a Brito e Cunha, Tong e Espírito Santo e Silva. Lda. Foi um sucesso enorme esse restaurante, foi decorado pela Rosário Lino, da família do arquiteto, e pela Beltrão. 

Qual era o seu papel nesse restaurante?

Faz-tudo. Aprendi a cozinhar, a fazer a mise en place, lavava coisas, tudo. Nessa altura era tempo de vacas magras, tínhamos de ter contenção de custos. 

Quando começa a trabalhar sozinho?

Crescemos, fizemos depois, com a mesma sociedade, a Casa da Praia, fizemos o Posto 2, com o qual eu depois fico. Entretanto, a família Espírito Santo vem do Brasil para cá e o dr. Bernardo tem de ir tratar das coisas do grupo. Como ele fazia parte do clube náutico, deu-me oportunidade de vir para a marina fazer uma esplanada de apoio ao clube. Eu sempre tive a ambição de vir para marina, era o ex-líbris. Esse espaço era ao lado do atual 7 Café, uma coisa pequena que vai crescendo. Começo isto já sozinho, depois faço o Tabuinhas. A Lusotur estava a ser dirigida pelo guru André Jordan e aí começo a querer aprender a faculdade do turismo. O André Jordan tem essas concessões e vai-me dando oportunidades, e fui fazendo. Entretanto comecei a crescer. 

Nessa altura já tirava fotografias, uma vez que foi o inventor das selfies em Portugal?

As fotografias são a minha paixão desde África. Os chinocas dizem que têm dois ou três vícios. Um é o jogo, vício que não tenho. Outro é fumar – não fumo. O outro é andar sempre de máquina fotográfica na mão. Esse apanhei, fiquei agarrado desde pequeno. Agarrei conforme as kodaks da vida até chegar aqui. Tenho milhares de fotografias guardadas num armazém, coisas únicas. 

Lembra-se da primeira foto ou selfie que tirou?

As primeiras máquinas não davam bem para as selfies, pedia às pessoas para tirar, andava sempre em grupo nessa altura. Só começo a andar sozinho quando conheço os famosos, aí não podia trazer a minha manada. As máquinas não tinham grandes angulares. Depois, a ciência e a abertura dos ângulos foi melhorando, não sei explicar porque não percebo nada de fotografia. Comecei a fazer fotografias de frente mas também queria estar no boneco, porque algumas pessoas, depois, não acreditavam que eu tinha estado presente, e foi um bocado por isso. Depois comecei a marcar as coisas todas em fotos. Dentro de um balneário, negócio ou avião privado, coisas únicas, sei lá.

Quando entram os jogadores, de que anos falamos?

Em 82 e 83 começo a tirar fotografias com o Eusébio e o Humberto Coelho quando eles vinham cá passar férias. O Algarve era o destino. Vendo um cromo da bola, eu largava os pratos.

Tirava as fotos dentro do restaurante?

Não, não, fora. Sempre fiz amizades rápidas e tinha bons informadores: o peixeiro, o homem do talho, o polícia, ia ao aeroporto – na altura não conseguia falar com o piloto. Ia à bomba de gasolina, bom sítio para pedir informação. Falava aos taxistas e ia ao hospital – hoje em dia, um sítio com bons contactos e muito respeito. 

Mas eles diziam onde estavam essas pessoas?

Sim, e também na altura só havia dois hotéis bons. A tendência era ficar no hotel Dom José, na Toca do Coelho, ou Montechoro, em Albufeira. E no casino, em Vilamoura.

Mas ia ter com os jogadores e punha conversa?

Abordava-os como fã e pedia autógrafos. O não já existe.

Quem foi o primeiro?

O primeiro que fui à procura, que já jogava no tempo dos meus pais, moçambicano, obviamente que foi o Eusébio. Entretanto, algumas pessoas da minha infância já estavam cá a jogar futebol, como o Shéu, que é meu primo. Havia outro jogador, o Romeu, que tinha vindo para a Metrópole, o Manaca. Tentei chegar a eles nem que fosse para ver o jogo, para aproximar-me de África, de Moçambique. Depois tive a sorte de ter vindo para um sítio da moda que os jogadores frequentavam, sabia quais eram os restaurantes com miúdas giras. Os futebolistas já eram olhados como estrelas, mas também aparecia malta do basquetebol e doutros desportos, mas sem ênfase nenhuma. O futebol já comunicava.

Começa logo a pôr as fotografias na parede ou isso é só mais tarde?

Como tinha essa paixão, quando tive o meu espaço e comecei a estar com eles, comprava fita-cola e colava. Eram máquinas de rolo, mandava fazer as fotos e foi um sucesso. Às fotografias que fazia deram agora o nome de selfie – já faço isso há 30 anos. Hoje em dia é muito melhor que as máquinas, até viram ao contrário.

Tem ideia de quantas fotos tem?

Tenho este telefone há pouco tempo, é o novo iphone. (Mostra-nos o número: 27 mil fotografias). E só neste tenho 620 vídeos.

E impressas? Onde estão guardadas?

Aos montes, álbuns, não sei.

Teria tempo de as catalogar todas?

Não. Mas quero ver se arranjo um grupo de amigos para me ajudar. Tenho cenas únicas, no outro dia estive a ver algumas e comecei logo a chorar. Porque fotografava todos os momentos, a comer, a dançar, tudo. Sou viciado, é a minha adicção.

De onde nasce a amizade com o Figo?

A história começa assim. Eu tratava dos gurus, dos craques da altura. Os Gomes, Futres, Alves, toda a geração desde a altura do Eusébio e Humberto Coelho. Comecei a arranjar-lhes casas para as férias deles. O major Valentim Loureiro tinha uma casa e vinham os do Boavista, e eu sempre a fazer força. Foi assim que se criou o destino e a moda de os futebolistas virem para Vilamoura. Antes ia tudo para Albufeira. Vilamoura é um projeto com 40 anos. Isto, depois, foi como em todos os meios sociais, os futebolistas falam entre si e dão dicas aos amigos. Começaram a falar entre eles do Algarve e de mim, como um cromo que recebia bem as pessoas e gostava da bola, que tratava bem, que bastava dar-me um autógrafo e eu ficava contente, tiravam duas ou três fotografias e eu mais contente ficava [risos]. E passou a palavra. Entretanto chega a Portugal um dos retornados da minha geração, o meu amigo Carlos Queirós, que faz o percurso dele como treinador e vai para treinador da seleção nacional. Na altura, a federação era pobrezita, ele vinha para cá com os miúdos da seleção. O Algarve sempre foi e é o destino dos torneios das camadas jovens, e o passeio deles era virem à marina. Vinham cá ver onde os ídolos deles passavam as férias, começaram a vir jornalistas arranjar entrevistas com craques da bola e políticos, músicos, industriais. Foi aí que conheci o Figo.

Quantos anos tinha o Figo quando se conheceram?

Devia ter 13, 14 anos.

Já falaram sobre isso, ele lembra-se desse momento?

Acho que toda a gente se lembra da primeira vez que vê um cromo como eu. Obviamente que se lembra e também da relação que construiu, que tem a ver com os gurus que lideram as camadas jovens, que faziam passar a mensagem para os jogadores saberem quem eram os líderes dos jogadores mais antigos. 

Nessa altura, para além dos jogadores tinha sempre o telefone ligado e toda a gente lhe ligava para pedir tudo e mais alguma coisa, certo?

Sim, isso continua igual. Hoje em dia, os telemóveis não se desligam. É óbvio. Há uma referência grande sobre a minha relação com os futebolistas, mas aprendi muito com outras pessoas. Gostava de ter estudado, mas acabei por ir estudando com os gurus financeiros que fui conhecendo. Aprendi muito especialmente com o pai Bernardo Espírito Santo. Sempre me tratou como um filho, também tratei dele. As novas gerações dos filhos reconhecem isso, tenho uma boa relação com eles. Para estar como estou com os meus negócios foi porque aprendi muito porque tenho muitas responsabilidades. Na época alta chego a ter 200 empregados a meu cargo. Sou gestor único das sociedades com o Figo. Administrador, CEO e founder – é giro, não é?

Quando passa de amigo do Figo a sócio?

Quando a Lusotur tinha esta propriedade onde estamos, que era o clube náutico. Houve a oportunidade de ficar com isto, eu como estava com a esplanada ao lado, fui falar com o Luís para fazer uma coisa que fazia falta aqui, que era um ponto de encontro de desporto, um sport café-bar. 

Falamos de que ano?

Foi em 98. Começo a falar com ele em 97 e abrimos no dia 7 do 7 de 98. 

Nessa altura já ia muito aos balneários dos clubes onde o Figo jogava?

Sim, sim. Mas nessa altura, quando o Figo entrou no negócio, já tinha dado o salto para Barcelona. Mudou a vida dele e ficou open-minded, mudaram os números também. Ir aos balneários eram oportunidades únicas, sinto muito orgulho dele me ter proporcionado isso. Sou um apaixonado por futebol, já fui o emplastro que se põe ao lado dos jogadores, já carreguei malas. Faço tudo porque adoro futebol, é a minha paixão.

Supostamente não tem clube, ou não diz para não trazer problemas para o negócio?

Não é problemas de negócio, são problemas nas amizades. Sou bem tratado e respeitado por eles todos.

Mas em casa também não tem clube?

As minhas filhas são portistas, nasceram no Porto. Têm um padrinho portista, o Fernando Gomes, e outro sportinguista, o Luís Figo. Eu não tenho clube. Agora estou cada vez mais apaixonado pela seleção e aposto que nos vão dar uma grande alegria [a entrevista foi feita no início do Campeonato da Europa].

Que momento de grande alegria recorda da carreira de Figo?

Não só estive nos balneários como estive em grandes negócios de transferências, não só do Figo mas doutros dessas gerações, porque sempre fui de confiança.

Mas fazia de empresário?

Não, essa parte não. Amigo, brother. Nunca ganhei nada, nem um centavo com as transferências. Essa é outra prateleira. Eu gosto é da coisa mais bonita do futebol: a família, os amigos e o desabafo. Eles telefonavam e pediam para ir com eles para falar com o clube que está no sítio x. Alguns amigos pediam para lhes arranjar sítios discretos para falarem com os clubes, para fugirem ao pessoal da imprensa. Nisso ajudei.

Que vitória se lembra de ter vivido nos balneários?

O Real Madrid ter ganhado a Taça Intercontinental no Japão, as Taças de Campeões Europeus na Escócia e outra no Mónaco, tive muitas alegrias. Sempre com o Figo. 

Como era acolhido nesses balneários?

Como uma espécie de buda, um budazito.

Daí que eles continuem todos a vir ao restaurante?

Sim, sim.

Quem tinha a personalidade mais complicada desse mundo do futebol?

Não tenho ideia…

Mas certamente assistiu a muita coisa que daria um bestseller.

Sim, a transferência do Luís do Barcelona para o Real, que permitiu que o presidente fosse eleito. Recordo-me também da transferência do Rui Costa para a Fiorentina, do Carlos Xavier para a Real Sociedad. Todas as grandes transferências dessas épocas passaram por aqui.

Não era a isso que me referia, era às outras histórias para lá do pano. As pessoas viam em si um confidente?

Pode dizer-se que sim. No fundo, é esse valor acrescentado que tenho. Eles sabem que comigo é como Las Vegas: o que acontece lá fica lá. 

Quais são os grandes negócios que tem agora com o Figo?

Sou sócio do 7 Café, do Hotel Alba Resort, de um negócio nas energias fotovoltaicas também em Alcoutim. Sozinho tenho várias lojas de marcas: Gant, Häagen--Dazs, Cia Marítima, Havaianas, esta parceria do sushi, os gelados da Artisani, a Pans, a Burger King. Os investimentos que fiz ao longo destes anos foi comprar localizações, e com o know-how e respeito que tenho pelas marcas, e elas por mim, comecei a trazê-las para cá. O Posto 2 também continua a ser meu. 

Voltando ao Figo, chegou a ver-se como adjunto da FIFA?

Não. Todos os passos que o Luís dá, eu estou a par. Dei-lhe todo o apoio. Teve o apoio não só meu, mas também de gurus que o podem ajudar para melhorar o futebol mundial. Não é por acaso que ele é vice para o Desenvolvimento da FIFA, convidado pelo presidente que ganhou. O ser reconhecido para esse lugar só mostra a importância dele. Ele é o embaixador, quer queiram quer não. Nós, cá em Portugal, somos muito pequenos em relação a ele, às vezes é maltratado pela imprensa. Quando lhe apareço com investimentos, ele diz: “Como queres que eu invista aí em Portugal se passo a vida a levar na cabeça e aparecem escritas algumas mentiras?” Sei a agenda dele pelo mundo, como é tratado nos países a emergir como as Áfricas, a China, a Índia, os Emirados Árabes.

Nesses países é ele que está a investir?

Sim, mas obviamente que estou com ele. Vou passear, apanhar sol, beber uma boa caipirinha e vou aprender uma nova network para mim que não me ocupa espaço aos 60 anos.

Mas em julho e agosto fica aqui.

Claro, não saio daqui nessa altura, que isto é a minha terapia. Como vou sair daqui com este Euro? Até pus aqui um telão para as pessoas verem o futebol como deve ser. Obviamente que tenho de receber as pessoas aqui e tratá-las como deve ser, que é o que sei fazer. Nunca saí daqui em junho, julho e agosto.

Fala cantonês?

Falo, com os meus irmãos. Tenho 10 irmãos. Estão todos no Canadá. É a minha terceira casa. A primeira é o Algarve, e a segunda o Porto, tenho as minhas filhas gémeas a estudar lá. Elas têm um bocado de sangue transmontano, da minha mulher.

Mais projetos para o futuro?

Tenho um vício que é gostar muito de negócios, sou viciado em trabalho e projetos. Agora estou numa fase da vida em que acho que, pela lei portuguesa, me posso reformar aos 65 ou 66. 

Pensa reformar-se?

Vou cumprir a lei, já que pago impostos. Vou fazer agora 60, tenho cinco anos agora para fazer o upgrade, depois vocês logo veem. 

Quantas horas dorme por dia?

Com a chegada da idade durmo pouco, quatro, cinco horas, mas vivo tranquilo, feliz comigo e bem de saúde. Vejo as minhas filhas a crescer, apesar de dar pouco apoio por trabalhar muito.

Ainda é muito frequente as pessoas comprarem barcos em maio e devolverem-nos em agosto porque não têm dinheiro?

Isso foi um fenómeno da altura das vacas gordas, quando no nosso país estava tudo cheio de dinheiro. Havia acessibilidade a dinheiro fácil da banca e as pessoas pediam empréstimos para isso. Nessa altura havia leasings. Hoje não se consegue comprar Ferraris e barcos para fazer show de bola e depois chegar a setembro e entregar ao leasing. Agora, as coisas estão mais organizadas, também porque o crédito está fechado. Quem pode tem, quem não tem aluga. Pode é não pagar a conta.

Como viu a prisão do Ricardo Salgado, que também era seu cliente?

E amigo. Com tristeza, conhecendo as pessoas. Mas não posso opinar, é um assunto do Ministério Público. 

Onde gasta o dinheiro que ganhou ao longo da vida?

Compro muito imobiliário. E viajo muito, gosto de andar pelo mundo a ver coisas giras e vou atrás da Fórmula 1 ver corridas. Também vou ao Canadá ver jogos de hóquei no gelo – tenho sobrinhos bons jogadores -, vejo concertos. Vou também à China, Índia e Estados Unidos. O Luís Figo tem escolas de futebol de miúdos na China, com 100 treinadores portugueses e cinco mil miúdos.

Mas fica na bancada e não entra nesses jogos?

Como aprendi com alguns gurus, agora tento sempre ficar no backstage e nos privados. Ando há 40 anos a tratar bem das pessoas e a ter tantos amigos…

Quer acrescentar mais alguma coisa?

Há um novo fundo a tentar fazer um upgrade agora em Vilamoura e vou ver se até aos próximos cinco anos tenho novidades.