Media. Cobertura dos incêndios pode ter “um efeito de contágio”

Media. Cobertura dos incêndios pode ter “um efeito de contágio”


Há mais de dez anos, Cintra Torres inventou a expressão “share incendiário”. Nos anos em que os incêndios se tornam mais complicados, a pergunta continua a surgir: os media exageram na cobertura?


Verão de 2005, o país a arder, e a cobertura dos incêndios não descolava dos ecrãs: era uma questão de “share incendiário”, como lhe chamou Eduardo Cintra Torres num artigo de opinião divulgado no “Público”. Os canais generalistas chegaram a sentar-se para tentar um acordo sobre o tempo dado à cobertura. E o então ministro da Administração Interna, António Costa, sublinhava as “diferenças da cobertura dos incêndios noutros países: menos duração, menos chamas”.

Não chegou a haver acordo e, prossegue Cintra Torres – que atualmente é comentador da CMTV -, esta nem era a primeira vez que se discutia a contenção. Já em 2004 houve uma “tentativa de acordo por parte de Sevinate Pinto, ministro da Agricultura”. 

Verão de 2016, Portugal em chamas, bombeiros “exaustos”. As equipas de reportagem dos vários canais espalham–se pelo terreno – desde o Funchal a Ponte da Barca, passando por Silves, Arouca, Gouveia… A lista continua, tão longa quanto o número de fogos. 

Nos diretos fez-se o ponto das situações e da área ardida. E como de costume, muitas das imagens mostravam não só o combate às chamas como os populares em desespero pela possibilidade de perderem as suas casas e terrenos. A pergunta de 2005 mantém-se este ano e manter-se-á em todos os verões em que os incêndios persistirem: será esta a cobertura mediática adequada nestas matérias? Poderá o excesso de imagens incentivar pirómanos em potência?

Resposta muito difícil Para Marina Carvalho, psicóloga clínica e da saúde e docente universitária, esta é uma questão difícil e uma resposta completa tem de contemplar vários cenários, mas, de uma forma simplista, o excesso de imagens de incêndios pode efetivamente incentivar os pirómanos. “A divulgação excessiva de imagens pode ter um efeito de contágio em determinados grupos de pessoas que tenham algum tipo de vulnerabilidade como, neste caso, os pirómanos”, explica. No extremo oposto, “para outro grupo de pessoas, estas imagens podem gerar reações emocionais de empatia e de consternação”.

Independentemente do resultado, a psicóloga diz que os meios de comunicação continuam, nestas situações, “a ter o dever de informar séria e adequadamente”. A questão é como fazê-lo, já que a linha entre o dever de informar e a quantidade e tipo de informação veiculada pelos meios de comunicação social – e que pode causar mais comportamentos semelhantes – é, diz Marina Carvalho, “extraordinariamente difícil de traçar”. 

Trabalho de prevenção Mesmo sendo difícil, há algo a fazer neste campo. Selecionar e controlar a quantidade de imagens é apenas um começo, diz a especialista. Não falamos apenas dos media – até as próprias forças de segurança divulgam imagens do combate aos incêndios. Ainda ontem, a GNR enviou às redações um vídeo onde se mostrava o combate às chamas visto de um avião.

“Claramente que é preciso fazer um trabalho de prevenção a nível político, em conjunto também com as autarquias, os media e a própria proteção civil, com os psicólogos que estudam estas matérias e saberão qual a maneira mais correta de informar nestes casos”, defende.

 Marina Carvalho é apologista de que de forma alguma seja escondida informação; apenas sugere que sejam transmitidos os dados suficientes para que a população saiba o que se passa sem existir uma exploração massiva das imagens dos incêndios e respetivas vítimas. E deixa um exemplo: “Os suicídios – especialmente em alguns locais específicos do país – não são noticiados pelo mesmo motivo, para evitar o efeito de contágio.”