Prepare a carteira. Espanholização das sardinhas não impede preços recorde

Prepare a carteira. Espanholização das sardinhas não impede preços recorde


Pesca continua condicionada por quotas este ano. Consumidores vão ter de pagar mais e comprar sardinha importada sobretudo de Espanha e Marrocos


Um verão sem sardinhadas é como um jardim sem flores ou um Rock in Rio sem Ivete Sangalo. Falta ali qualquer coisa. Mas o peixe que outrora servia de alimentação aos mais pobres corre o risco de tornar-se um capricho das elites. Com a definição de quotas de pesca, a quantidade desta espécie no mercado está a diminuir de forma abruta. Seguindo a lei da oferta e da procura, os preços estão a disparar, e este ano a tendência será de novo para um processo inflacionário.

No ano passado, os limites à captura de sardinha já fizeram com que as transações em lota tenham atingido “a quantidade mais baixa desde que há registos estatísticos sistemáticos por espécie”, segundo um estudo revelado ontem pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Em consequência, o preço em lota atingiu o valor mais elevado dos últimos 20 anos, acrescentou o organismo.

Este ano, apesar de uma subida ligeira na quota portuguesa de pesca de sardinha, há preocupação no setor. “Estamos muito preocupados. As quotas que ficaram definidas são insuficientes”, alerta Frederico Pereira, coordenador da Federação dos Sindicatos do Setor da Pesca.

Embora os preços ao consumidor estejam a subir há anos para níveis recorde, os pescadores garantem que a margem de lucro adicional vai toda para os intermediários. Para quem anda no mar, garante Frederico Pereira, é baixa. “Na semana passada, o preço médio do quilo de sardinha em Peniche era de 64 cêntimos, e na Figueira da Foz de 59 cêntimos. Em termos nacionais, o preço máximo foi de 1,58 euros. Estes valores ficam muito aquém do necessário para que a frota de pesca seja sustentável, mas claro que, depois, estes preços não têm nada a ver com os que chegam ao consumidor. É uma questão que devia ser regulada”, frisa.

Segundo os dados do INE, no ano passado foram transacionadas em lota 13,7 mil toneladas de sardinha, a maioria no Continente. É o valor mais baixo de que há registo. Entre 1995 e 2015, as descargas de sardinha caíram a um ritmo médio anual de 8,5%.

Preços finais aumentam Nos últimos quatro anos, acrescenta o INE, a quantidade média descarregada foi de 22 mil toneladas – cerca de 65,6% inferior à média descarregada no período anterior, entre 2005 e 2011. “Esta situação resultou dos limites de captura deste pelágico impostos em Portugal continental, no quadro das medidas de gestão adotadas para este recurso, que se encontra numa situação de dificuldade”, explica o instituto de estatística.

No ano passado, a quota portuguesa de pesca de sardinha – 13 mil toneladas – levou muitos portos a esgotarem os seus limites de captura ainda com o verão a meio. Em meados de agosto, Peniche e Nazaré atingiram o limite de sardinhas estabelecido, seguindo-se Portimão.

E como consequência direta da escassez de sardinha, os preços aumentaram. Em 2015, o preço médio da sardinha transacionada em lota “foi o mais elevado dos últimos 20 anos”. Com um crescimento médio de 10,2% ao ano, o preço médio da primeira venda aumentou de 31 cêntimos por quilo em 1995 para 2,19 euros em 2015. Nos últimos quatro anos, o preço médio da sardinha quase triplicou face ao preço médio registado no período 1995-2011.

“Devia ser colocada uma margem máxima de lucro. Mas não temos esperança de que as coisas melhorem para a produção. Os portugueses pagam muito pela sardinha, mas para a produção vai voltar a ser um ano negro”, lamenta Frederico Pereira, acrescentando: “Estamos à beira-mar e importamos cada vez mais. O que se esquecem é que a nossa imagem de marca também está a ser posta em questão. Os pescadores dizem que há muita sardinha no mar.”

A Espanholização da sardinha Com a diminuição da pesca de sardinha em Portugal, o INE aponta para consequências “evidentes” nas transações internacionais. Há um nítido aumento das importações de sardinha fresca e congelada, que entre 2010 e 2015 cresceram a um ritmo médio anual de 11,6% em quantidade e de 15,9% em valor. “Com um valor de importação da ordem dos 35,5 milhões de euros em 2015, a quantidade de sardinha importada foi quase o dobro (1,8 vezes) da sardinha capturada e descarregada nos portos do Continente”, explica o organismo de estatística.

Espanha destacou-se como o principal fornecedor de sardinha fresca no ano passado, com este país a representar sempre mais de 98% do valor total importado. Na sardinha congelada, Espanha está também em primeiro lugar, representando 69,9% do valor total das importações em 2015. Marrocos ocupa a segunda posição, com um peso de 23,2% no mesmo ano.