Qassem Suleimani. A sombra que paira no Médio Oriente

Qassem Suleimani. A sombra que paira no Médio Oriente


O operacional mais poderoso do Médio Oriente morreu e ressuscitou. Já lhe chamaram “ladrão de cabras” na sua juventude, agora temem-no como um espectro que assombra os campos de batalha.


Conselho Nacional da Resistência Iraniana foi taxativo: Qassem Suleimani, comandante da força Al-Quds iraniana, estava às portas da morte. Teria sido ferido, há cerca de duas semanas, em combate nos arredores da cidade síria de Alepo. O comandante teria sido transportado de helicóptero para um hospital em Damasco, onde teria recebido os primeiros cuidados e, devido à gravidade do seu estado, teria sido transportado para o Hospital Baqiyatollah dos Guardas da Revolução, situado na avenida Mollasadra, em Teerão. O seu estado era considerado muito grave e a supervisão do seu estado de saúde estaria a cargo do médico Gholamreza Farzanegan, um especialista em neurologia cerebral.

O general da guarda revolucionária Qassem Suleimani, 58 anos, é o chefe da força Al-Quds (Jerusalém em farsi), força de elite composta por 20 mil homens. A força foi criada em 1990, no seio do Corpo dos Guardas da Revolução (pasdarans), para difundir a revolução islâmica fora das fronteiras do Irão. Foi dirigida no início pelo general Ahmad Vahidi, antigo responsável pela espionagem militar nos padarans e que se notabilizou no Líbano pela ajuda à formação do Hezbollah e pela organização do atentado em Beirute, em 1983, que custou a vida a mais de 200 marines dos Estados Unidos da América. Esta força especial responde directamente ao Guia Supremo, Ali Khamenei, e é responsável pelas operações especiais no exterior e pelo apoio, financiamento e treino de redes islamitas revolucionárias no estrangeiro, a maior parte xiitas, como os iranianos, mas algumas vezes sunitas, como no caso da Palestina.

A importância de Suleimani no Médio Oriente é enorme. Há cerca de 20 anos que dirige a força Al-Quds e as suas acções permitiram o crescimento da influência iraniana na região. O departamento de Estado dos Estados Unidos da América responsabiliza-o pela morte de centenas de soldados norte-americanos no Iraque. Até há muito pouco tempo, era completamente desconhecido. “Suleimani é hoje o operacional mais poderoso no Médio Oriente”, garante um antigo oficial da CIA, John Maguire, à revista “New Yorker”, “e, no entanto, durante anos ninguém ouvia falar dele”. De há uns tempos para cá, a sua presença pública tem sido mais usada, nomeadamente nos campos de batalha na Síria. Mesmo assim, afirma-se sempre de uma forma discreta, cultivando um ar de modéstia: “Sou apenas um pequeno soldado”, explica. Menos modesta é a qualificação que recebe do Supremo Líder, Khamenei, “É um mártir vivo da revolução”, e também dos serviços secretos de Israel, a Mossad. Quando o jornalista Dexter Filkins, da revista “New Yorker”, perguntou sobre ele a um antigo chefe da Mossad, do outro lado da linha fez-se silêncio e depois, numa voz irónica, ouviu-se: “É um grande amigo nosso.”

Suleimani é filho de camponeses pobres, nasceu na aldeia montanhosa de Rabor. Quando era jovem, o pai foi obrigado a contrair um empréstimo, como muitos camponeses da região, para manter a pequena parcela de terra que cultivava. Suleimani foi trabalhar nas obras, numa cidade vizinha. O dinheiro era necessário para que a família não perdesse a casa e a terra. Tinha 22 anos quando se deu a revolução islâmica de Khomeini, em 1979. Alistou-se na nova Guarda da Revolução, unidade criada para contrabalançar o exército que, durante muito tempo, foi o suporte da ditadura do xá. Depois de uma preparação militar básica foi enviado, com centenas de outros jovens, para o Curdistão iraniano para impedir a secessão do território. Oito meses depois da revolução, as tropas iraquianas do ditador Saddam Hussein invadiram o Irão. Foi para a frente de combate com a missão de fornecer água aos soldados. “Entrei na guerra com uma missão de 25 dias e fiquei até ao fim”, afirma o próprio num depoimento transcrito pela “New Yorker”. Ganha fama de bravo e corajoso em missões em território inimigo. É nessa altura que lhe passam a chamar “ladrão de cabras”, pela sua capacidade de trazer comida para os seus homens famintos. A guerra Irão-Iraque custou muitas centenas de milhares de mortos. A unidade de Suleimani pagou a sua quota-parte: centenas de jovens ficaram afectados para sempre com os ataques com armas químicas, fornecidas pelo Ocidente ao Iraque, usadas pelas tropas do ditador Saddam Hussein. O corpo Al-Quds é fundado nos anos 90 e Suleimani é enviado para a fronteira do Afeganistão para apoiar rebeldes contra os talibãs e combater o tráfico de heroína. Em 1998 é nomeado comandante do Al-Quds. Depois dos ataques do 11 de Setembro de 2001, diplomatas americanos e iranianos encontraram-se discretamente em Genebra para estabelecerem uma colaboração na guerra contra os talibãs. Qassem Suleimani supervisionava essas conversas. O discurso de George Bush em que incluía o Irão no chamado “eixo do mal” dá cabo de tudo. A invasão do Iraque leva os iranianos e o Al-Quds a aproveitar o derrube de Saddam Hussein para apoiar os partidos da maioria xiita e, sobretudo, para organizar a escalada contra as forças norte-americanas. Deve–se aos operacionais iranianos a introdução na guerra dos EFP (explosively formed projectiles), dispositivos que penetravam na blindagem dos veículos das tropas norte-americanas e que foram responsáveis por 20% das baixas dos EUA. Quando Qassem Suleimani se deslocou à zona verde para conversações com os iraquianos, os militares dos EUA ferveram de raiva quando perceberam que não o podiam prender. Não desistiram e tentaram prendê-lo uma outra vez quando se deslocou ao Curdistão iraquiano – escapou à última hora. “Suleimani teve sorte, a sorte é importante”, garante Dagan, o antigo chefe da Mossad nas páginas da “New Yorker”. Vários iranianos foram presos. A reacção não se fez esperar: um comando matou em Karbala cinco militares dos EUA.

Depois da invasão israelita do Líbano, a atenção de Suleimani voltou-se para esse país, quando as tropas israelitas retiraram perante a resistência dos milicianos do Hezbollah. Diz-se que enviou uma mensagem ao comando dos EUA no Iraque: “Espero que tenham gozado do clima de paz em Bagdade, andei ocupado em Beirute.”

A contestação ao regime de Bashar al-Assad apanhou o Irão em contrapé. Rapidamente, o Al--Quds organizou-se para impedir a queda do regime de Damasco. Quando, em Abril de 2013, os rebeldes capturam a cidade de Quasayr, junto à fronteira libanesa, Suleimani dirige uma operação envolvendo centenas de milicianos do Hezbollah e tropas do Al-Quds para recuperar a cidade.

É ele que vai a Moscovo, na véspera das acções da força aérea russa, para ajudar a planificar a intervenção. No ar actuarão os caças e bombardeiros russos; no combate em terra ao Estado Islâmico e outras forças rebeldes estará Suleimani, os milicianos do Hezbollah, as milícias xiitas iraquianas e o exército de Damasco. Qassem Suleimani está , como gosta, no campo de batalha.

Depois dos confrontos de Alepo, apareceu mais uma vez a dizer que as notícias da sua morte tinham sido muito exageradas.