Da suspeita às indemnizações

Da suspeita às indemnizações


Troca de acusações subiu de tom, mas fotógrafos podem reconciliar-se a 30 de Setembro.


Entre jornalistas qualquer segredo é mesmo um segredo de Polichinelo. E entre jornalistas veteranos, as acusações que o octogenário Eduardo Gageiro tem vindo nos últimos anos a fazer a Alfredo Cunha, segundo as quais este se apropriara de negativos seus dos dias da Revolução, já não eram segredo nem mesmo notícia – toda a gente sabia. Mas o que ninguém queria acreditar foi no que esta semana surgiu na imprensa diária: os dois tinham-se processado mutuamente nos tribunais, pedindo avultadas somas de indemnização.

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O mestre e o seu discípulo dilecto entraram em guerra aberta.

Em 1974 o laboratório fotográfico de “O Século Ilustrado” era repartido por Eduardo Gageiro, Alfredo Cunha e Fernando Baião (já falecido).

Gageiro lançou aos quatro ventos que já há 40 anos tenta convencer Cunha a comparar os negativos e as provas de contacto para verificarem se houve alguma troca durante aqueles dias agitados. Cunha contrapõe – diz quem já o ouviu – que só há quatro anos o seu antigo mestre lhe falara no assunto durante um dos almoços periódicos num restaurante de Campo de Ourique – e que achara a conversa sem sentido, que era “coisa da idade”.

Um veterano repórter fotográfico contactado pelo i realça que, “como ambos percorreram caminhos similares durante esses dias agitados, fotografando por vezes nos mesmos locais e à mesma hora, é natural que a confusão se possa instalar na memória das imagens captadas.” Mas acrescenta: “Também é certo que um profissional experiente sabe muito bem quais as fotos que tirou, sobretudo numa ocasião tão importante… a menos que estejam lado a lado e disparem na mesma altura…”

Gageiro tem sempre dado como exemplo o facto de, no momento da prisão do major Pato Anselmo no Terreiro do Paço, ordenada pelo capitão Salgueiro Maia, as fotos que Alfredo Cunha publica em livro serem tiradas do solo e da janela do Ministério do Exército.

“Ele não podia estar ao mesmo tempo nos dois lugares. Só eu estava lá em baixo”. Alfredo Cunha, que nos primeiros tempos em que o mestre lhe falava destas dúvidas lhe pedia para “não dizer essas coisas”, passou a defender-se e a explicar que “a rendição de Pato Anselmo demorou tanto tempo que dava para subir e descer várias vezes”.

Mas a gota de água que fez transbordar a taça de Eduardo Gageiro surgiu no início das comemorações dos 40 anos do 25 de Abril. No dia 25 de Março de 2014, o livro “Os Rapazes dos Tanques”, da autoria de Alfredo Cunha (fotos) e Adelino Gomes (texto), foi lançado com pompa e circunstância no torreão Norte do Terreiro do Paço, e o Arco da Rua Augusta foi engalanado com uma fotografia de grandes dimensões tirada por Cunha a Salgueiro Maia no dia da revolução.

Ao folhear o livro, Gageiro reparou que a autoria de uma foto sua, que dois militares de Abril seguram para serem fotografados por Alfredo Cunha, eram atribuídas ao seu discípulo e não a si.

Furioso, e achando provada finalmente a sua desconfiança, dirigiu-se à Sociedade Portuguesa de Autores, queixou-se, e esta convocou Cunha para uma reunião urgente para comparar negativos fotográficos. Cunha não compareceu, enviou um advogado e processou o mestre por difamação, ofensa ao bom nome e danos patrimoniais, exigindo 145 mil euros de indemnização. Gageiro respondeu com idêntico processo, exigindo 200 mil euros.

Alfredo Cunha garante: “Houve realmente um engano de quem atribuiu os créditos daquelas duas fotos, registados nas últimas páginas. Nós convidámos os militares que estiveram nos carros de combate no 25 de Abril a posar para a fotografia segurando um objecto alusivo à data histórica. Um escolheu um mapa, outro um livro, o neto do marechal Carmona trouxe um exemplar do jornal “República”, outros fizeram-se fotografar segurando fotos.

É o caso das duas fotos em questão: o alferes Clímaco Pereira e o cabo condutor Carlos Baptista seguram a mesma foto (uma delas é fotocópia da outra), e quem se encarregou dos créditos fotográficos atribuiu-a erradamente a mim. Aliás, Eduardo Gageiro é referido várias vezes nos créditos.”

Entretanto, os advogados de ambas as partes acordaram ontem uma reunião de conciliação para o próximo dia 30 de Setembro.