Casal Ventoso. Há 15 anos Lisboa exterminou o hipermercado da droga


Há 15 anos, Maria Ivone e José da Silva Santos despediam-se do Casal Ventoso, em Lisboa, para serem os primeiros inquilinos da Quinta do Cabrinha, inaugurando um apartamento que nunca conseguiu “matar as saudades” do que tiveram de deixar. Em Fevereiro de 1999, a Câmara Municipal de Lisboa, então presidida pelo socialista João Soares, dava…


Há 15 anos, Maria Ivone e José da Silva Santos despediam-se do Casal Ventoso, em Lisboa, para serem os primeiros inquilinos da Quinta do Cabrinha, inaugurando um apartamento que nunca conseguiu “matar as saudades” do que tiveram de deixar. Em Fevereiro de 1999, a Câmara Municipal de Lisboa, então presidida pelo socialista João Soares, dava por concluído o processo de realojamento que acolheu 248 famílias.

O bairro de Alcântara foi construído de raiz. O realojamento foi o primeiro de um plano de reconversão social e urbanística que deu casa a mais de mil moradores a viverem, desde meados dos anos 80, na zona que ganhou a fama de “hipermercado da droga” da capital.

Para muitos, mudar para a Quinta do Cabrinha significou ter um tecto, mas também ter uma cozinha ou tomar banho numa banheira pela primeira vez. Mas para outros – como para Ivone, agora com 77 anos, e para o marido, José, hoje com 81, que não eram consumidores nem traficantes – mudar de casa foi perder memórias e laços de vizinhança. Ambos nasceram no Casal Ventoso. Conheceram–se no bairro, casaram e constituíram família. Maria Ivone “pensava que já não saía dali”. Era “garota e já ouvia dizer que o Casal Ventoso ia abaixo”. Nunca se convenceu.

Até porque erradicar a droga no Casal Ventoso era um desafio à escala europeia. “O bairro era o hipermercado das drogas, mesmo a nível europeu”, lembra Judite Lopes, responsável pelo sector de intervenção social do Gabinete de Reconversão do Casal Ventoso (1996-2001). A partir do fim dos anos 1980 e durante a década de 90, diariamente, mais de cinco mil pessoas desciam ao bairro para consumir drogas. Existiam cerca de 500 consumidores residentes a viver em condições muito precárias, boa parte das vezes em barracas.

Pioneiro A este cenário juntava-se a progressiva degradação do edificado: um estudo da câmara de Lisboa, divulgado em 1995, revelava que 40% dos fogos não tinham água canalizada, 27% não possuíam esgotos, 10% estavam sem electricidade, metade não dispunham de “banho” e 42% não tinham cozinha. A intervenção foi “pioneira” em muitos aspectos, desde o combate à toxicodependência – “com a aplicação de um programa de metadona e o enquadramento sócio-higieno-sanitário” dos consumidores -, passando ainda pela abertura da pré-primária na escola pública.

O realojamento na Quinta do Cabrinha, recordou Judite Lopes, foi “o mais emblemático”, por ser “o primeiro momento” em que foi possível estabelecer um plano com a colaboração “construtiva” dos moradores. Mas, para o presidente do Projecto Alkantara, associação contra a exclusão social que trabalha no bairro desde a sua inauguração, o processo de integração destas populações “podia já estar muito mais avançado se não tivesse sido interrompido” quando a câmara mudou de mãos, da presidência de João Soares (PS) para a de Pedro Santana Lopes (PSD), critica Filipe Santos.

Helena Lopes da Costa, vereadora da Acção Social de Santana Lopes, entre 2002 e 2004, rebate as críticas, defendendo que a decisão de extinguir, logo em 2002, o Gabinete de Reconversão do Casal Ventoso foi uma etapa obrigatória: “Era uma estrutura luxuosa, com administradores bem pagos, com bons automóveis. Em 2002 as famílias já estavam realojadas, nada justificava que continuasse a existir.” João Soares, por seu turno, nega as eventuais extravagâncias do gabinete e defende que a equipa desempenhava funções que o seu executivo considerava “essenciais para uma boa integração” dos moradores, rematou.

Joana Carvalho Fernandes, Lusa