A taxa de poupança das famílias portuguesas não chegou a atingir os 10% no segundo trimestre de 2024, mas ainda assim, renovou máximos desde o quarto trimestre de 2021, revelam os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). É certo que fica aquém da média dos países da zona euro, em que a taxa de poupança se situou nos 15,3% no primeiro trimestre e de 15,7% no segundo trimestre, avançou o Eurostat.
Mas o comportamento dos portugueses vai variando, como chama a atenção a Deco, ao admitir que geralmente poupam nos momentos difíceis. “Já neste século, salientamos que foi nos momentos difíceis, de crise, que os portugueses apertaram o cinto e aumentaram a sua reserva de poupança. Em 2002, a taxa de poupança chegou a 13,9%, quando o país sofreu a primeira crise do euro. Destacamos ainda a crise financeira do subprime em 2009 (11,6%) e, mais recentemente, o período da pandemia de covid-19, quando os níveis de poupança atingiram 13,8%, no final de 2020”, salienta.
Ao i, João César das Neves afirma que apesar destas variações, a taxa de poupança é muito baixa: “É verdade que está a subir e que antes as taxas de juro não ajudavam, mas continua muito abaixo dos nossos parceiros europeus, que têm as mesmas taxas”. O economista nota que temos a segunda taxa de poupança mais baixa dos quinze, logo a seguir à Grécia. “As recentes melhorias pouco mudaram a situação”.
Também Paulo Monteiro Rosa, economista do Banco Carregosa, considera que o nível de poupança ainda é baixo para garantir a segurança financeira das famílias no longo prazo. “O nível de poupança dos portugueses tem andado à volta dos 6% ou 7% do rendimento disponível, apesar de no primeiro semestre de 2024 ter subido para quase 10%, impulsionado pelas taxas de juro mais elevadas, estimulando a poupança em detrimento do consumo. Também em 2020, as restrições à circulação afetaram o consumo, tendo contribuído para elevar o nível de poupança nesse ano para quase 15%. Em Portugal a propensão à poupança é baixa, sobretudo quando comparada com a média da Zona Euro de cerca de 14%”, refere ao nosso jornal.
E lembra que, historicamente, Portugal apresenta uma taxa de poupança inferior a outros países europeus, explicada por fatores económicos e culturais, como rendimentos médios mais baixos que as restantes economias da União Europeia, excetuando em parte os países de Leste, bem como encargos elevados com habitação e consumo, a que se junta uma cultura financeira que tende a valorizar menos a poupança de longo prazo. “Embora as famílias portuguesas tenham poupado um pouco mais recentemente, tal como evidenciado na subida do nível de poupança no primeiro semestre de 2024, talvez devido a incertezas económicas e ao aumento do custo de vida, ainda existe uma vulnerabilidade financeira específica em Portugal, um país com uma economia aquém das economias mais avançadas da Europa, um PIB per capita mais baixo, não permitindo salários mais elevados que que proporcionem taxas de poupança mais altas”, salienta.
Face a este cenário, o economista chama a atenção para o facto de ser considerada “normal a existência de um Estado mais paternalista, garantindo as pensões dos portugueses na velhice, tendo custos acrescidos a nível fiscal. Seriam importantes iniciativas financeiras de educação financeira e de incentivo à poupança, além de possíveis reformas que possam aliviar os encargos sobre o rendimento disponível, permitindo que mais portugueses consigam poupar”. E acrescenta que “embora o nosso país possa não ter uma forte cultura de poupança em depósitos bancários, liquidez ou investimentos no mercado de capitais (como obrigações e ações) para atender às necessidades financeiras, é um dos países com maior taxa de habitação própria, o que também constitui uma forma de poupança, apesar da menor liquidez associada”.
Mais crítico é Eugénio Rosa, ao defender que o nível de poupança em Portugal é muito baixo “devido aos baixos rendimentos da população portuguesa, ao desemprego real que é muito superior ao desemprego oficial, à elevada desigualdade salarial entre homens e mulheres, que se prolonga na reforma o que determinava que, em 2023, a pensão média de velhice das mulheres correspondesse apenas a 57% do valor da pensão média de velhice dos homens”.
Variações Eugénio Rosa lembra, no entanto, que se analisarmos a evolução da taxa de poupança no nosso país ao longo dos anos, constatamos variações importantes, o que reflete preocupações e a situação das famílias ao longo do tempo. “Em 2012, ou seja, quando a troika entrou em Portugal, a taxa de poupança era 9,8%, mas quando saiu, em 2015, a taxa de poupança tinha baixado para apenas 7,4%, o que leva à conclusão que a política de austeridade violenta imposta ao país pelo Governo PSD/CDS/troika tenha obrigado as famílias a recorrerem as suas baixas poupanças para sobreviver e fazer face às dificuldades criadas por essa política”.
O economista lembra ainda que, em 2019, a taxa de poupança em Portugal era apenas de 7%, mas em 2020, com a pandemia, os gastos e as restrições das famílias diminuíram significativamente, e a taxa de poupança em Portugal atingiu, pela primeira vez, 12,1% (na UE.:18,2%; na Zona Euro: 19,3%). “A partir desse ano, e como consequência do aumento enorme da taxa dos juros do crédito à habitação e da inflação, a taxa de poupança começou a diminuir de uma forma rápida, já que as famílias foram de novo obrigadas a recorrer às suas poupanças para ou amortizar créditos que tinham obtidos da banca cujas taxas de juros atingiram valores incomportáveis ou então para fazer face ao disparar da inflação”.
Como incentivar João César das Neves acredita que muito se poderá fazer para estimular o aumento da taxa de poupança e deixa um alerta: “Melhor do que medidas avulsas era preciso começar por resolver os vários graves problemas estruturais do nosso sistema financeiro”. E adianta: “A economia portuguesa está apática, com poucas oportunidades, devido aos estrangulamento que o Estado e a sociedade criam sobre ela. Por isso, o mais razoável são depósitos e dívida do Estado como os portugueses estão a fazer. Se quiser mais rendimento, coloque as poupanças lá para fora, o que hoje felizmente é mais fácil de fazer”.
Já para Paulo Rosa, uma das principais medidas de incentivo de poupança passaria por apostar na redução da carga fiscal sobre o rendimento disponível, incluindo sobretudo os salários, mas também outros rendimentos, como os de capitais, compensada por um aumento dos impostos sobre o consumo para evitar perdas de receita fiscal. “Dessa forma, estimular-se-ia a poupança ao disponibilizar mais rendimento para as famílias, enquanto se penaliza o consumo. Paralelamente, é fundamental desenvolver uma economia mais resiliente e produtiva, com custos energéticos mais baixos e produção de bens e serviços de elevado valor acrescentado, possibilitando mais rendimento e, consequentemente, uma maior propensão à poupança”.
Também Eugénio Rosa dá cartão vermelho aos incentivos – que, no seu entender, são praticamente inexistentes. “Os depósitos a prazo na banca têm na maioria taxas negativas, pois as taxas pagas pelos bancos são normalmente inferiores à inflação a que se junta em muitos casos comissões de gestão. E há os problemas de segurança. É certo que há um fundo de garantia que garante os depósitos até 100 mil euros, no entanto, se analisarmos o seu relatório e contas de 2023 constamos que para garantir 176 168 milhões de depósitos bancários, o Fundo de Garantia tinha apenas 1725 milhões, o que correspondia apenas a 0,98% do volume de depósitos”.
O mesmo cenário repete-se, segundo o economista, nos Planos Poupança Reforma (PRR) e nos Certificados de Aforro. “Os PPR estão reduzidos a uma sombra do que eram. A redução máxima no IRS pago varia entre 300 e 400 euros para aplicações mínimas de 1500 e dois mil euros. Também os Certificados de Aforro que durante algum tempo fomentaram a poupança com taxas que atingiam 3,5% a que se somava prémios de permanência, revelando-se um bom instrumento para incentivar a poupança – entre 2022 e 2023, as aplicações subiram de dois mil para três mil milhões – foram alvo de mudança depois de Fernando Medina ter cedido às pressões da banca que não queria aumentar a taxa de juros pagos pelos depósitos a prazo, pois isso afetaria os seus enormes lucros, ao diminuir a taxa dos certificados de aforro para 2,5%, o que determinou que o volume destes caíssem”. E acrescenta: “A experiência mostrou que estes dois instrumentos – PPR com maiores deduções de IRS e não limitado por outros incentivos e Certificados de Aforro com taxa de juros e montantes mais elevados e com prémios de permanência podem estimular a poupança em Portugal mesmo com os baixos rendimentos dos portugueses. Mas isso parece não ser preocupação do Governo de Luís Montenegro”, conclui.