O Médio Oriente constitui de há muito um espaço privilegiado de análise para os estudiosos da geopolítica internacional. Os dias de hoje reafirmam esta evidência. A ordem internacional de tempos a tempos sofre os abalos dos conflitos, guerras e rivalidades por aqui gerados. A geografia e a história em toda a sua plenitude são nesta região uma fórmula determinante que convoca à confrontação. Dos Estados e povos, das culturas e civilizações, dos extremismos, das estratégias nacionalistas, dos recursos e dos interesses vários.
Quem planeou os ataques do dia 07 de outubro em Israel, certamente estaria bem ciente que iria colocar fogo em Gaza. E que essa labareda cedo se espelharia por outras regiões próximas. Tudo o que se passa em Israel e na região da Palestina interessa a toda a comunidade internacional. Com maior ou menor intervenção direta. O início do ano de 2024 veio confirmar que a instabilidade no Médio Oriente é uma realidade continuada no sistema internacional. As promessas “das guerras sem limites” acentuam-se.
Os constantes ataques lançados pelos rebeldes Houthis, contra alvos em Israel e no Mar Vermelho e contra a navegação comercial no estreito de Bab al-Mandeb e no Golfo de Áden, foram dos primeiros avisos à comunidade internacional. Os bombardeamentos diários e ameaças do Hezbollah no sul do Líbano contra as populações do norte de Israel e as forças militares aí estacionadas, obrigaram à consequente resposta das Forças de Defesa de Israel. Têm sido muitos os ataques a alvos dos Estados Unidos levados a cabo por milícias shiitas no Iraque e na Síria. As ameaças de guerra do Irão a propósito dos ataques israelitas ao Hamas em Gaza multiplicam-se.
A sul de Damasco, na Síria, o Brigadeiro-General Razi Mousavi, do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica do Irão foi morto, e no qual Israel foi acusado de ser o autor deste atentado.
De seguida o ataque que eliminou Saleh Al-Arouri, “o número dois” do Hamas no sul de Beirute, num ataque aéreo (com drones ou misseis dirigidos), e cuja autoria foi também ela apontada a Israel.
Poucas horas depois, duas explosões na cidade de Kerman no Irão, vitimaram mais de uma centena de pessoas que se manifestavam no aniversário da morte do General Qassem Soleimani, morto pelos Estados Unidos em 2020 em Bagdade. Atentado em que logo de imediato foram acusados os Estados Unidos e Israel, mas posteriormente reivindicado pelo grupo terrorista do Estado Islâmico. Entretanto, também um dos líderes do Hezbollah, Hussein Yazbek, foi morto durante um ataque de Israel no sul do Líbano.
E com toda a certeza muitos mais acontecimentos desta natureza se seguirão no dia a dia do Médio Oriente.
Israel ainda não atingiu os objetivos militares a que se propôs em Gaza. A destruição do Hamas e a libertação total dos reféns. Hipotecou nesta guerra desde o início, parte significativa das suas forças militares e dos seus meios de ataque. O Hamas encontra-se hoje bastante enfraquecido e o tempo operacional não corre a seu favor. Nem para os seus líderes. Por isso Israel sabe que nesta fase (prolongamento da 3ª fase da operação), o “modus operandi” das operações militares irão ser necessariamente diferentes. Serão privilegiados os “targeted raids” e uma “security buffer zone” dentro da faixa de Gaza. Para isso foram e vão continuar a ser desmobilizados muitos meios e efetivos no terreno. Foram retiradas cinco Brigadas da zona norte da Faixa de Gaza. Os reservistas poderão voltar à sua vida normal. Outras unidades militares irão garantir a segurança a Norte, prevendo a ameaça do Hezbollah.
A prontidão das forças de Israel e a sua capacidade operacional estão nesta altura em alta. A sua motivação também, assim parece. As recentes declarações de líderes governamentais e responsáveis militares, sobre a capacidade de resposta e de ataque ao Hezbollah ou outra ameaça exterior, poderá ser uma realidade. A estratégia de Israel passará por demonstrar capacidade militar e vontade política de enfrentar na frente norte, e mesmo no interior do Líbano, o Hezbollah, procurando pôr fim aos continuados ataques fronteiriços que levaram à evacuação de cerca de 80.000 habitantes do norte de Israel.
O Irão e os seus seguidores (na Síria e no Iraque, o Hezbollah no Líbano, os Houthis no Iémen e o Hamas em Gaza) neste momento passaram a ser o centro das convulsões e disputas nesta vasta região. Resta ainda ao Irão o apoio estratégico da Rússia, pelos bons serviços que este lhe tem prestado no apoio à guerra na Ucrânia.
Com a China afastada por decisão própria, e a Europa sem qualquer poder de influência geopolítica na zona, e a Turquia a correr em pista própria, os Estados Unidos assumem por completo o papel de potência dominante na região. Muito em particular, no controlo da segurança regional e da regulação (a possível) da ordem internacional no Médio Oriente. Contará certamente com o apoio dos países árabes moderados.
A instabilidade irá certamente continuar, senão mesmo alastrar-se a outros conflitos nesta conturbada região. Com isso ganhará Israel que verá o foco da comunidade internacional deixar de fixar-se em Gaza e mesmo na Cisjordânia, remetendo para muito longe a idealizada solução dos dois Estados na região. Que aliás não parece, por ora, agradar a nenhum dos oponentes no terreno.
A prioridade será mesmo resolver o problema de Gaza.
Coronel e especialista em geopolítica